Por: Florbela Gil
Quantas mães não escreveram já para os seus filhos, versos, poemas?
Por: Ana Graciosa
A linguagem da imaginação.
Na solidão de um amplo descampado, penso em ti e sei que tu também pensas em mim.
Somos a encomenda perfeita um do outro, sem remetente e data para entrega.
És a minha pedra Rubra, gato causador dos meus melhores sorrisos, o meu sonho real, o melhor e o maior antidoto para todos os males. Apesar de geograficamente separados, sei que te tenho sempre a meu lado e a tua presença, acalma a tempestade do meu ser.
Mas… Quando fecho os olhos, sinto o teu feitiço sobre mim… (empezábamos a hablar… momento tan dulce y mágico...enamorados el uno del otro... pero siempre deseándonos y... ) e embriago-me em pensamentos e no instinto que fica à tona.
Somos os actores principais de um filme realizado por ti. Um filme fácil de representar e imaginar, onde a magia do sexto sentido, das palavras e do mundo imaginário, percorrem e excitam nossos corpos sem que seja preciso tocar, as artérias palpitam, o coração acelera e a fonte de calor produzida, tornasse completamente involuntária e comandada somente pela nossa mente. Somos atingidos por intensas e deliciosas explosões de adrenalina de um guião improvisado. Os diversos cenários, não mudam uma vírgula no contexto cinéfilo e nas milhares sensações de prazer acumulado, que nos deixam embriagados, até nos conduzirem ao esquecimento dos nossos actos.
O caminho que se trilha dentro da inventividade criativa, é aquele lugar onde se encontram segredos e histórias, onde se constroem vidas verdadeiras ou fictícias, com esperanças e outras tantas coisas mais, onde se estimula a realidade dos sonhos e da sua concretização na vida real.
Por: Florbela Gil
Quantas mães não escreveram já para os seus filhos, versos, poemas?
Por: Ana Fonseca da Luz
Os chinelos de quarto
Levanto-me da cama num salto. Levanto-me ainda a dormir, ou talvez não. Cheira-me a torradas e a terra molhada. Enfio os chinelos que, por acaso, são horríveis. Até os meus pés se ressentem de tanta fealdade! Os olhos então!…
Não acendo a luz. Já sei o teu quarto de cor, tal como sei os teus olhos. Numa fracção de segundos, consigo ver se estás bem ou mal-humorado. Basta-me olhar-te nos olhos. Até parece que te conheço! Mas não! Nunca ninguém conhece ninguém.
Olho-me no espelho, porque já entra alguma claridade no quarto, e quase me assusto com o que vejo. Bolas! Aquela sou eu? Eu! Ontem, quando me deitei, estava tão bem! Mas hoje… consigo estar pior que os chinelos! É por isso que não gosto de dormir. Qual sono de beleza qual gaita! Se tivesse coragem, pedia-lhe para tirar dali o espelho. Há dias em que ele me detesta. Hoje é um desses dias. Conserto o cabelo num gesto maquinal e passo as mãos suavemente pela cara, à espera de um milagre. Nada!
O choque da minha imagem reflectida no espelho fez com que acordasse. Estes chinelos são realmente feios! Abro a janela e, tal como o meu nariz me tinha avisado…lá está ela, a chuva. Bolas! Detesto chuva. Mas aquele cheiro consegue ser melhor que o das torradas!…
Saio finalmente do quarto. Na casa de banho, outro espelho ingrato lembra-me que estou quase com cinquenta anos. Passo a escova no cabelo, lavo os dentes e ajeito o pijama azul. Ainda bem que o pijama é teu e, como me está grande, me tapa os chinelos. Não quero que os vejas. Para mal-encarada basto eu! As mulheres deviam acordar sempre maquilhadas e penteadas, como nos filmes e nas telenovelas, em que elas acordam sempre frescas e maravilhosas e eles com aquela barba podre de sexy!… Mas pronto, estou melhorzinha.
O teu cão abana o rabo. Parece que me conhece. Então não é que o raio do cão é giro!… Cheira-me os chinelos, tenta mesmo mordê-los. Está visto que o teu cão, além de ser giro, como tu, aliás, também não gosta dos meus chinelos.
Chego finalmente à cozinha, a puxar por uma perna, porque o malvado do cão não me larga o chinelo. Estás de costas. As torradas estão sobre a mesa, forradinhas com manteiga e o café cheira melhor que a terra molhada lá fora. Despreocupada, a minha roupa repousa nas costas da cadeira, junto com a tua. Viras-te e é nesse momento que compreendo por que é que, sempre que posso, passo a noite contigo.
- Bom-dia! Estás linda! Como é que consegues acordar sempre com esse ar de quem tem apenas quinze anos?!
Esqueço as torradas, o café, o cheiro da terra molhada e até os malvados dos chinelos. Beijamo-nos, como se fôssemos duas estrelas de cinema!…
«In A Rua das Magnólia»
Por: Marina Maltez
BONECA DE TRAPOS
Toda a vida lhe deram bonecas de porcelana. Daquelas que tinham vestidos de seda e rede e lindos cabelos louros de caracóis maravilhosos que quase lhe faziam inveja.
Cada boneca parecia uma princesa, pronta para um daqueles bailes de gala em palácios com cortinados de veludo e tapetes que parecem ser feitos de algodão doce.
Tinha talvez sete ou oito bonecas. Mas não podia brincar com elas. Era o que a mãe dizia de cada vez que a via tocar nem que fosse ao de leve numa apenas.
Anos mais tarde viu um filme que lhe fez lembrar exactamente o que sentira nessa sua idade de criança: “Charlie e a Fábrica de Chocolate”. Pobre Charlie… uma dentição perfeita, impecável (regras e mais regras impostas pelo Pai) mas à custa de nunca ter provado sequer um doce, chegar à idade adulta sem saber qual era o sabor do chocolate.
A menina sentia o mesmo: de que me adianta darem-me estas bonecas se não posso brincar com elas? Mudar as roupas! Trocar os chapéus! Fazer penteados! Iam ficar ainda mais bonitas! Como num desfile de moda, daqueles da televisão. E ela até pensava: “Se não fosse tão magra e tão sem graça talvez um dia aparecesse na televisão com roupas assim coloridas e bonitas, como as das minhas bonecas…”. Mas rapidamente o sonho parava e voltava à realidade. A mãe tinha voltado a discutir com o pai e a culpa era dela. Nunca entendeu a razão pela qual os pais discutiam: o pai saia, a mãe ficava a chorar e ela fechava-se na biblioteca. Tinha 10 anos quando leu Homero e divertiu-se mais que a brincar com as bonecas de pele pálida e gelada.
Aos 11 anos e num Natal daqueles à moda antiga em que fazia frio e chovia e até se ia apanhar o pinheiro de Natal (e depois chegava-se a casa como herói cheio de lama e golpes dos picos dos pinheiros), pensou que lhe iam dar um filme. Daqueles que pareciam um livro de 600 páginas. Talvez o “Indiano Jones” que ela gostava de aventuras e sobretudo de história. Mas quando tirou o laço e rasgou o papel… diante de si um objecto vermelho de letras douradas… “Os Maias”.
Uma semana mais tarde nem deu pelas doze badaladas que anunciavam um novo ano. Estava a terminar de ler “O Monte dos Vendavais”. E quase 30 anos depois…ainda chora quando passa esse filme…
Nunca ninguém lhe perguntou o que realmente gostaria de receber. Pelo que teve bicicleta das quais caia, panos e lençóis para o enxoval quando nem queria casar. E um dia já mãe… e sim a sua princesa tinha nome, mas ela sempre lhe chamou ternamente “Bonequinha de Trapos”, “Minha Bonequinha de Trapos” porque no seu mundo de criança e de adulta não havia nada mais acolhedor, mais terno, mais encantador, mais mágico que uma linda boneca de trapos, daqueles que dá vontade de agarrar e não largar nunca mais…
Hoje a filha é adolescente. Não deve gostar muito desta expressão, mas quando a tristeza bate à porta e nem pede licença para entrar… bem… não há nada como uma sopa quente e ser a bonequinha de trapos da mãe…