Por: Marina Maltez
ATÉ BREVE…SANDRA
“Storinha”. Foi sempre assim que me chamaste, só tu. Termo carinhoso da menina mulher de pele morena e olhar vivo que gostava de me esperar de manhã, antes das aulas começarem e tinha sempre ideias para uma nova coreografia ou peça de teatro. Sim, nunca foste uma aluna excelente na teoria apesar do teu empenho e dedicação…mas o teu português traia-te. E tu sorrias dos próprios erros que formavam palavras que roubavam gargalhadas à turma! Mas na prática…eras claramente um dos elos mais fortes!
Abraçavas cada desafio como único, especial. Davas tudo de ti. Não conhecias a palavra “cansaço”. Nem para ti nem para os outros. Tinhas sempre uma palavra amiga para todos. Eras amável por natureza. Sempre de sorriso no rosto a dar apoio a quem dele precisasse. Todos te reconheciam pela tua gentileza, pela tua simpatia, pela forma delicada como tratavas cada colega, cada professor. Todos te reconheciam o mérito e valor de cada vez que o pano subia e a música ganhava vida pela emoção transmitida pelo teu corpo….cada gesto doce e suave, os sorrisos envolventes, o olhar penetrante faziam com que o público sentisse o mesmo que tu…e por minutos tudo parava para te observar!
Impossível não gostar de alguém assim tão doce! Tão responsável e aplicada.
Jamais irei esquecer aquele dia fatídico. A direcção da escola tinha-te oferecido o valor de uma visita de estudos, coube-me a mim como tua Directora de Turma entregar-te o valor logo pela manhã. Olhaste para mim, estranhamente triste: “Deixe estar storinha, não é preciso”. Não te entendi, insisti e claro…tu jamais me contrariavas. Partiste no autocarro. Ninguém me disse que os buracos na tua roupa tinham uma razão. Ninguém me disse que as tuas recentes indisposições tinham uma razão. Ninguém me disse que o teu cansaço tinha uma razão. E também ninguém me disse que as tuas nódoas negras tinham uma razão.
E eu…cega com tanta agitação, com testes, provas, estágios e ainda as apresentações públicas não percebi, não te percebi e ainda hoje me culpo por isso.
Chegaste da visita de estudo e foste até à sala buscar o caderno e o livro. Havia um exame meu no dia seguinte. Entraste silenciosamente, sorriste e perguntaste-me: “Storinha…nunca se cansa?”. Sorri…”Não Sandra, não tenho tempo para isso!”. Ficaste diante de mim…num olhar lento, profundo, demorado e disseste com um sorriso: “Quando for grande quero ser como a Storinha!”. Agradeci-te…”Exagerada! Quando for grande vai ser muito melhor que eu! De certeza! Então ando a ensinar-lhe para o Bom? O Muito Bom é sempre melhor!”.
Saímos da escola. Tu e eu. Duas vidas tão próximas pelo laço da amizade e tão distantes pelos segredos que não te soube ler…
Cheguei a casa. Não tinha fome. Não tinha forças. Uma terrível dor de cabeça que não entendia e um peso no peito medonho. Recebi uma SMS tua com uma dúvida para o exame. Respondi e pedi-te para não estares nervosa. Tinha a certeza que ias conseguir. A tua resposta marcou-me: “Olhe que não. Olhe que não”. E naquela repetição não vi o teu pedido de ajuda, não ouvi o grito que ficou na tua garganta.
Fiquei a pensar em ti, no que terias. Mas os meus pensamentos foram interrompidos por um telefonema e frase que me gelou: “Senhora professora, a Sandra enforcou-se”.
Não tive tempo de te dizer adeus. Não tive tempo de chorar a dor gritante que instalaste no meu peito…insuportável. Foi horrível perceber o quanto tinhas sofrido sozinha e juro-te que não entendo o porquê. Porque não me disseste nada? E porque não te percebi a tempo…ainda hoje…ainda hoje me culpo. Por isso deixo-te o meu até breve. Um dia voltamos a estar juntas. A rir juntas. A dançar juntas…e olha Sandra aprendi a lição…nunca mais deixei de ler cada gesto, cada atitude, cada olhar de um aluno, porque infelizmente o silêncio esconde traumas que marcam para a toda a vida…
Até já Sandra!