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Por: Catarina Betes
Dezembro
Uma vez mais o mês de dezembro. Uma vez mais estes meus ossos cansados encetam o caminho do Natal. Há oitenta e oito anos que o fazem, sem interrupções.
Enquanto espero a hora do lanche, momento em que aquela moça nova (da qual já esqueci centenas de vezes o nome) me vem buscar e com a sua infinita paciência, me conduz pelo braço até à sala de refeições, penso nos meses de dezembro que já atravessei. Foram tantos!
Oiço os sons à minha volta, a televisão, as vozes dos outros residentes que cada vez falam mais alto, ao passo que ouvem e veem cada vez menos, o som do carrinho da roupa a ser empurrado por uma funcionária e ainda assim, no meio de toda essa amálgama de espetros, fecho por momentos os olhos e deixo-me lentamente conduzir pelo corredor estreito do tempo. Sinto a cada passo, as minhas mãos a tocarem as paredes laterais, amparando-me, enquanto a passagem se torna a cada passo, mais estreita. Não é a primeira vez que a minha mente viaja neste sentido. É um sentido único, não tenho dúvidas disso. Ao deixar-me levar, revejo rostos do passado e sorrisos da minha infância. Oiço sons da minha juventude e se estiver atenta, os meus sentidos permitem-me sentir os cheiros que marcaram a minha vida, a minha longa passagem por este mundo. O cheiro da terra molhada aos meus pés, enquanto o meu pai regava o campo, a sensação dos mesmos a enterrarem-se naquela mistela lamacenta, a sensação de frescura quando andava distraidamente dentro das regadeiras, enquanto a água corria, apressada. Curiosamente, não me lembro de sentir pressa nesse tempo. Nem sei se a mesma existia. Pressa de quê e para quê, se tudo acontecia no devido tempo? Pressa de chegar aonde? Pressa de partir para onde, se o melhor lugar do mundo para se estar, é onde somos felizes? Não...a pressa chegou mais tarde.
Recordo os natais da minha adolescência, em que eu e os meus irmãos corríamos descalços na direção da chaminé onde sabiamos estar os nossos sapatinhos. Lá encontraríamos provavelmente, um pequeno chocolate, que para nós era o mundo! Sorríamos enquanto o procurávamos e os nossos gritos de excitação ecoavam pela pequena casa como se de uma multidão se tratasse.
Recordo um ano em que dentro do meu sapatinho estavam umas meias brancas, com uma pequena renda a enfeitar o tornozelo. Revivo a delicadeza com que as segurei e a emoção de possuir, pela primeira vez, algo verdadeiramente bonito.
Porque demoramos tanto tempo a entender, que a felicidade vem com as coisas mais simples?
Sinto tocarem-me levemente no ombro e acordo do meu sonho uma vez mais. Sinto cairem os meus braços ao longo do corpo, enquanto as minhas mãos se afastam da parede gelada do corredor do meu passado. Regresso a passos lentos ao presente. Levanto os olhos e encontro o sorriso da moça nova, a tal de quem nunca recordo o nome, tão bonita, tão doce. Deixo-me conduzir para a sala onde os meus companheiros de fim de viagem me aguardam, mas no meu pensamento, olho uma vez mais para trás, para o caminho que novamente deixei a meio, o caminho do meu passado, que eu pressinto cada vez mais, a cada dia que passa, confundir-se com o presente.
De um modo pouco ortodoxo, sinto que as linhas do passado e do futuro se entrelaçam, e juntas formam e tecem o mesmo fio, o trajeto que me estava destinado percorrer.
Não há início nem fim, há um momento neste Universo imenso, em que nascemos e outro em que morremos. Não somos mais que seres de passagem. E esse intervalo de tempo é extremamente curto, daí a importância de o preencher com momentos felizes.
E eu assim fiz. Em todos estes dezembros.
“Fim – o que resta é sempre o princípio feliz de alguma coisa”. (Augustina Bessa-Luis)