Lembro-me de, em miúda, questionar os mais velhos, por que motivo caminhavam aquelas pessoas para Fátima, muitas de saúde frágil, que chegavam ao santuário com os pés em sangue e o corpo combalido. Muitas vezes, obtive como resposta: são promessas que as pessoas fazem.
E isso fazia-me sentir confusa. Porque não compreendia a relação da fé, com o padecimento e a dor. Não contesto a fé dos homens. Questiono sim, a forma como a mesma é muitas vezes, vivida.
Já percorri trilhos de peregrinos. Também caminhei durante a noite, até ao Santuário. E cada quilómetro andado em silêncio, atravessando a noite escura, representou um bálsamo para a alma, porque senti cada músculo do meu corpo em perfeita harmonia com o meu espírito, tantas vezes, também ele, exausto e inquieto.
Encaro-o como um caminho de autoconhecimento, em que a cada passo dado, confrontamo-nos com os nossos fantasmas, dúvidas e bênçãos. Testamos as nossas forças e percecionamos até onde podemos ir, vencido o medo. O cansaço.
Nunca uma troca.
Sinto-o como um resgate da criança interior, que, nos dias e anos mais corridos, vamos perdendo pelo caminho. É nela que está a nossa essência, a verdade de quem somos. Essa sim, acredita verdadeiramente em milagres.
Acredito que Deus assume diferentes formas, conforme vivemos ou fomos criados. Mas a mensagem essencial, comum a todas as religiões ou dogmatismos, é que todos nascemos e morremos, debaixo da mesma energia universal, independentemente do modo como a sintamos. A imagem de um Deus castigador nunca me convenceu. O bem é sempre conciliador.
Para mim a fé é isto.
A busca, a entrega, a resiliência, a força que assoma após a queda, o arbítrio de ser e fazer mais e melhor, a escolha de caminhar sozinho, a crença de que, o “nosso milagre”, não está na chegada…, é o próprio caminho.