Por: Vera Oliveira
Por: Catarina Betes
Todos passamos por situações que ficam. Que resistem à passagem dos anos, dos dias e das horas, que escapam à contagem do relógio do tempo.
Para quem gosta de histórias, o ensino é uma bênção.
Porque as vivemos em primeira mão.
Na minha passagem pelo primeiro ciclo, vivi momentos extraordinários. A simplicidade e autenticidade das crianças, permitiu-me armazenar uma panóplia de memórias que, quando recordo, me enchem por dentro, iluminam e aquecem a alma. Partilho hoje algumas.
Estava em sala de aula com um grupo de alunos de primeiro ano, seis anos, portanto.
Lanço uma piada qualquer para o ar.
Os miúdos riem-se, e eu, feita esperta, viro-me para um, que se escavacava a rir:
- A professora é engraçada, não é?
Oiço uma resposta vinda de outra ponta da sala, de uma aluna que, tranquilamente, pintava o seu desenho, sem levantar o rosto do papel:
- É, é! Tão engraçada, que devia ir para o circo.
Fiquei a olhar para ela com ar de quem levou um safanão e enfiei a carapuça, com uma vontade enorme de rir, de tão bem empregue que foi a expressão.
Noutro dia, ainda no mesmo ano letivo, entro na sala do lado, também de alunos de seis anos.
Eu vestia um macacão de ganga azul, justo, e calçava uma sandálias altas.
Entro, aproximo-me da minha colega e oiço:
- Elá!!!!
Olhamos as duas na mesma direção, no mesmo instante, para o aluno que falou. Acrescento que o tom era, inconfundivelmente, de piropo.
Ele percebeu que a coisa não ia correr bem para o seu lado e que tinha ultrapassado uma linha qualquer. Ficou momentaneamente calado, engoliu em seco e olhando para mim e para a professora, acrescentou, gaguejando, atrapalhado:
- To… to… toda de azuliiinho!!!!
E tivemos que conter o riso. Na vida, é essencial reconhecer quando se deve dar um passo atrás, e este, fê-lo na perfeição.
Quem trabalha com estas idades, sabe bem que não há momentos quietos. Tudo é novo. Dúvidas, regras, birras, o professor passa o dia numa azáfama incrível. Recordo um aluno a entrar na sala de aula, tranquilamente, a meio da manhã.
Eu pergunto-lhe, com ar autoritário:
- Onde foste?
Ele olha-me espantado e responde, naquele tom de resposta que mais parece uma pergunta:
- À casa de banho…
E eu, a puxar os galões de professora:
- Com ordem de quem??
- Da professora.
- Ah, ok. Entra e senta-te.
E é isto. Com vinte e três miúdos de primeiro ano a pedir constantemente atenção, o cérebro queima um bocadinho. Também podia falar no outro que foi à casa de banho e quando entrou, disse:
- O João pergunta se já pode entrar.
- O João? O que é que ele está a fazer lá fora?- perguntei.
- A professora mandou-o acalmar. Disse que depois o chamava.
- Sim, ele que entre. – respondi, disfarçando o facto de que me tinha esquecido completamente daquele.
Depois há aquelas situações em que percebemos que somos um exemplo a cada minuto, e que qualquer pequeno gesto ou atitude, conta.
Sempre gostei de puxar uma cadeira e sentar-me ao pé alunos, conforme a necessidade de ajuda. Estava sentada em frente a uma mesa da primeira fila, de costas para o quadro.
Há um aluno da segunda fila que me pergunta se tenho lenços de papel.
Eu respondo que sim e atiro-lhe o pacote de lenços pelo ar. Continuo de cabeça baixa, e levo inesperadamente com um pacote de lenços na tola.
Levanto a cabeça espantada e pergunto:
- João, atiraste-me os lenços à cabeça??
- Mas a professora também atirou…
E está tudo dito. Mais palavras para quê?
Depois existem as alunas queridas, que não saem de perto de nós e que quase as temos de empurrar para saírem da sala, na hora do intervalo.
Há quatro anos:
- Professora, és tão bonita.
- Obrigada, querida.
- Pareces tão novinha…
O meu ego incha e pergunto:
- Que idade achas que tenho?
- Dezanove.
E pronto, é isto.
Termino com a franqueza, essa característica valorosa das crianças, com a qual, podemos sempre contar.
Numa primeira semana de aulas, com um grupo novo e eu de cabelo esticado.
No final da semana resolvi ir ao natural, com a carapinha habitual.
A aluna da frente, enquanto trabalhava, com o ar mais natural do mundo e sem sequer olhar para mim, afirma:
- Professora, hoje atrasaste-te.
- Eu? Não…por quê?
- Não tiveste tempo de te pentear…