Por: Antonieta Dias (*)
A diarreia aguda é a doença mais comum em viajantes. Estima-se que 60% dos viajantes que viajam para países em desenvolvimento é de 1-3%.
Apesar de representar uma morbilidade significativa raramente se torna numa doença grave.
Os dados apontam que um terço dos viajantes alteram significativamente as suas actividades devido a esta patologia.
Define-se diarreia do viajante, sempre que surgem mais de três dejecções de fezes não moldadas em vinte e quatro horas, associadas a febre, dor abdominal, cólicas, tenesmo, náuseas, vómitos e presença de sangue nas fezes.
A tipologia do quadro clinico, divide-se em aguda aquosa se persiste por um período inferior a duas semanas, persistente se tem um período superior a catorze dias e inferior a trinta dias e por diarreia crónica sempre que a sintomatologia é superior a seis semanas.
Designa-se por disenteria sempre que surge sangue ou pus nas fezes, tenesmo/dor à dejecção.
Relativamente à Epidemiologia, considera-se de baixo risco (<10%): na Europa Central e do Norte, Austrália e Nova Zelândia, Estados Unidos da América, Canadá e Singapura, de Risco moderado (10 a 20%) : Caribe. África do Sul, países Mediterrâneos e de Alto Risco (>30%): Ásia (excepto Singapura), África (excepto África do Sul), América do Sul e Central (incluindo o México).
Na maioria dos casos este quadro clínico, surge nas primeiras duas semanas de viagem, tem uma duração média de quatro dias sem tratamento, sendo que a história natural da doença, em 90% dos casos resolve-se numa semana e em 98% resolve num mês.
Considera-se que existem grupos de riscos, onde se incluem os doentes imunocomprometidos (fenómeno translocação facilitada) (VIH CD4+ <200/ul; défice de IGA; imunossupressores; QT…), doentes com acidez gástrica diminuída (bloqueadores histamina H2, IBP),crianças, idosos e viajantes que fazem turismo de aventura.
Todavia, não podemos exluír a possibilidade de o viajante comum adquirir esta doença em mesmo que se encontre alojado em Resorts de luxo ou quando viajam em Cruzeiros.
Os agentes etiológicos são maioritariamente vírus em Portugal e nos Países desenvolvidos, enquanto que nos Países em desenvolvimento, a responsabilidade do aparecimento da doença está associada a infecção por bactérias, sendo a E. coli a principal causadora desta doença seguida de outros agentes invasivos Camylobacter, Shigella e Salmonella não typhi, ficando as Aeromonas e Vibrões não cólera no grupo menos frequente.
Os protozoários (Giardia lamblia, Entamoeba histolytica, Cyclospora cayetanenis, Cryptosporidium), como agentes mais incomuns, porém, quando surgem manifestam-se por um quadro de duração significativa (superior a duas semanas).
Estas gastroenterites, são mais frequentes em viajantes regressados, sendo o tempo de incubação da doença de uma a duas semanas, sendo tratados com antibióticos.
Considerando a distribuição geográfica da tipologia dos agentes infectantes a E. coli (ETEC e enteroaderente) predomina na América Latina, Caraíbas e África (até 70% no México), a infecção por Campylobacter na Tailândia, Nepal e África, a Salmonella e Shigella, na África, Ásia e América do Sul, a Cyclospora c. é endémica no Nepal, Perú, Haiti e Guatemala, enquanto que a cólera surge habitualmente por surtos/epidemias. Apesar de haver a possibilidade de minimizar esta doença (cólera) com uma vacina a sua eficácia é pequena.
A diarreia bacteriana, manifesta-se com um quadro de início súbito, com dejecções aquosas abundantes vs sanguinolentas, cólicas ligeiras a moderadas vs dor abdominal severa, anorexia, náuseas, vómitos associada a febre inferior a 39ºC, desencadeando assim uma desidratação mais ou menos severa conforme a persistência dos sintomas.
Por sua vez as diarreias de etiologia vírica apesar do quadro clinico ter uma sintomatologia muito semelhante, não cursa na maior parte dos casos com a presença sangue nas fezes).
A diarreia por protozoários tem um início gradual de sintomas ligeiros (2-5 dejecções por dia).
Na maior parte dos casos as diarreias do viajante são facilmente resolúveis, mas podem cursar com complicações sendo as mais frequentes: desidratação; intolerância à lactose e sintomas gastrointestinais persistentes.
Como complicações mais raras, destacamos: Síndrome de Guillain Barré (Campylobacter); Síndrome Hemolítico-urémico (E. Coli 0 157: H7); Síndrome de Reiter ou artrite reactiva HLA-B27 positivo); Colite hemorrágica, Colite pseudomembranosa (após antibioterapia) e bacteriemia.
A diarreia persistente, tem uma duração superior a trinta dias, tem início durante a viagem ou até trinta dias após regresso e a sua incidência ronda 1 a 3%.
O diagnostico desta doença baseia-se na história clínica(duração, emagrecimento7estado nutricional, gastroenterite aguda inicial com intervalos assintomáticos, presença de comorbilidades (HIV; DM), medicação8antibioterapia, história de viagem.
Como exames complementares de diagnostico, investigamos: parasitológico de fezes, recolhem-se três amostras de fezes em três dias consecutivos (directo e pesquisas de antigénios); coproculturas, pesquisa de toxina Clostridium se existe história de antibioterapia; pesquisa de substâncias redutoras e lipídios e pesquisa de leucócitos, lactoferrina e sangue oculto.No sangue encontramos por vezes anemia, leucocitose, trombocitose, eosinofilia, sendo algumas vezes necessário fazer testes serológicos: transglutaminases IgA, endomísio IgA, reticulina IgA ou outros.
Se temos um quadro clinico de diarreia, febre num doente que viajou para uma zona endémica de malária, não podemos esquecer de fazer o despiste da malária (gota espessa/esfregaço) para determinar a existência ou não do Ag Plasmodium, e hemoculturas.
O tratamento empírico é feito com medidas de suporte sendo o antibiótico preferencial no caso em apreço o Metronidazol.
Em suma, viajar pode traduzir uma aventura e um risco acrescido na aquisição de doenças, sendo minimizado este perigo, desde que seja realizada uma consulta pré viagem e pós viagem, tendo em conta a profilaxia que é proposta ao viajante de acordo com a viagem do destino, o aconselhamento que é feito e o tratamento atempado, sempre que a doença surge.
(*) Doutorada em medicina