Por: Antonieta Dias (*)
Transcrevo na íntegra o parecer da Ordem dos Médicos sobre este assunto:
“Parecer do conselho Nacional de ética e Deontologia Médica da Ordem dos Médicos (CNEDMOM) datado de 06.2012.Revista Ordem dos Médicos, sobre a forma de agir quando uma companhia de seguros solicita o envio de dados clínicos respeitantes a Segurados assistidos
Parecer:
1.O relacionamento doente médico acontece e desenvolve-se no trilho de uma relação pessoal, onde confiança ganha incontornável destaque enquanto garantia de uma total abertura do doente ao seu médico, para que este possa mais eficazmente conduzir o seu juízo clínico e aproximar-se da verdade diagnóstica.
2.O sigilo médico colhe inusitada aceitação profissional e pela sociedade, sustentando a possibilidade de um exercício tranquilo de uma entrevista clínica, suporte fundamental à construção de um diagnóstico e do inerente plano terapêutico. A este sigilo é generalizadamente reconhecido grado respeito, desde logo pelos profissionais directamente envolvidos.
3.Os dados clínicos de um doente pertencem-lhe, pelo que a respectiva informação só poderá extravasar este nicho nuclear doente-médico, alargado porventura a uma equipa de saúde que só se legitima no interesse directo do doente, por razões inequivocamente benfazejas para o doente, indispensáveis ao seu processo terapêutico global e com o seu consentimento. A gestão da disponibilização alargada desta informação deve prioritariamente ser acautelada pelo médico.
4. A relevância dedicada ao respeito pelo sigilo médico não pode torná-lo inultrapassável. Outros valores poderão reclamar a sua inobservância, tais como a dignidade ou integridade física de terceiros, que possam estar em causa.
5.O doente, a quem se outorga este direito de ver respeitada a confidencialidade dos seus dados clínicos, tem também, entre outros e no plano de uma saudável cidadania fundada na responsabilidade ética a que se obrigará, deveras inexpugnáveis, nomeadamente o de cultivar a partilhada verdade.
6. Assim, para situações correntes, os médicos deverão disponibilizar aos seus doentes e a seu pedido a informação que lhes respeita, a estes cabendo a respectiva gestão.
Acautelada deverá, naturalmente, ficar a possibilidade de um conhecimento cego de uma verdade que ao próprio possa, circunstancialmente, ser fortemente prejudicial.
7. A divulgação de dados clínicos, carecendo sempre de autorização, deverá contudo ser considerada para enquadramentos de manifesto interesse, como o é, a exemplo, o científico, no plano de investigação.
Para âmbito de diferente natureza, por exemplo os de natureza comercial como aqui se desenha, a contratualização deveria ser efectuada não no plano da divulgação alargada de dados clínicos, mas no plano de exigência de prestação de informação verdadeira e de não omissão de dados considerados relevantes.
Assim, caberá sempre ao doente ser o portador da sua informação para o agente contratualizador, incumbindo-lhe a si, doente, não ao médico, a responsabilidade por esta prestação da sua verdade clínica.
8.Mediante a hipotética situação de uma revogação de um anterior consentimento, não restará ao médico alternativa senão respeitar esta última decisão de não autorizar uma divulgação de dados clínicos pessoais.
9.Não pode ser assacada ao médico a responsabilidade pelo cumprimento de uma contratualização eventualmente estabelecida entre um seu doente e uma dada Companhia Seguradora. É ao doente que cumpre este cumprimento.
10. Deverá o médico disponibilizar-se, particularmente perante situações que possam configurar tentativas de fraude, estas de recorte legal, para esclarecer nas instâncias próprias (leia-se judiciais) a verdade.
11. Na eventualidade de a instituição hospitalar e a Seguradora pertencerem ao mesmo proprietário, deverá ser claro que é com o médico que acontece o relacionamento clínico, não com a instituição. Esta apenas suporta um conjunto organizacional que permite o exercício de uma medicina que, ainda assim, não pode ser despersonalizada para se configurar prioritariamente como institucionalizada. Não deverá, pois, a instituição, por ser proprietária, gerir num poder exclusivo a informação de natureza clínica sem mediação do médico que, por esta circunstância, a ela teve acesso.”
(*) Doutorada em medicina