Por: Catarina Betes
Traços
Cada vez o tempo passa mais depressa e com ele vêm os dias.
Atarefados, cansados, arrastando-se entre as nossas vidas corridas, porque as horas, os minutos e todos os pequenos segundos teimam em passar. Não nos deixam margens para escolhas, suposições nem decisões.
Levamos com o tempo como quem assume um peso que nem sempre consegue suportar.
Não me assustam os anos que faltam. Todos os que vierem serão bem vindos. Não os temo. Temo mais os que passaram. A doçura que a memória insiste em trazer de novo à vida dos meus pensamentos. Os sons, os sorrisos, os mimos, ...de quem já não está.
E o Natal...! A lenha a queimar na lareira, a confusão das vozes dos adultos misturadas com as das crianças que teimavam em fazer-se ouvir, tudo se mistura no meu cérebro e conduz-me pelo carreiro incerto da memória, que tantas vezes não consigo evitar, atravessar.
Temo mais essa nostalgia que qualquer ruga vincada num qualquer traço do meu rosto.
Porque os traços que a vida deixa em nós, contam histórias de amores vivídos, amores verdadeiros, constantes, inteiros.
Contam mais da nossa alma que uma mão cheia de palavras.
Recordo rostos vincados do meu passado e sinto uma emoção que não consigo disfarçar.
Porque o que recordo, não são os traços, mas toda uma história, que existia, por trás deles.
E uma alma antiga tem tanto para contar e ensinar.
É dessas memórias que por vezes tento escapar. Porque me emocionam. Porque me transformam numa sombra de mim mesmo.
E então emerjo. Tento escapar da onda feroz daquele mar, que tantas vezes insiste em me levar.
Porque a minha vida é hoje, aqui, agora.
Confronto o poder do passado com a possilibidade do futuro e agarro-me ao segundo.
Guardo dentro de mim tudo o que vivi e olho para o dia de hoje sem lamentos.
Fui muito amado. E nesse amor entendi o motivo de estar aqui.
Olho-me atentamente no espelho. Encontro vestígios do tempo e sorrio.
Porquê?Porque estou vivo!
E porque mais uma vez..., é Natal!