As opções tomadas nos recentes Planos de Austeridade tomados pelos governos de Portugal e de outros países da Europa, bem como as propostas das oposições quando existem, contêm indubitavelmente razões de natureza político-ideológica e/ou politico-táctica na sua origem. Contudo, para além destas razões, a análise dessas opções políticas pode ser realizada tendo em conta o que nos mostram as recentes investigações realizadas no campo do que se tem apelidado de “economia comportamental”.
Obviamente que o alcance dessa investigação científica é muito mais vasto do que um pequeno texto como este permite explicar. Mas aqui ficam alguns apontamentos pertinentes. Uma das principais medidas anunciadas é a subida do IVA. Será boa ou não de acordo com os modelos da Economia Comportamental? Embora de forma não linear, a subida do IVA impulsionará ceteres paribus os níveis de inflação. A inflação, a par do desemprego, tem um impacto negativo no bem-estar percebido pelos cidadãos (aliás, o efeito cumulativo da inflação e do desemprego constituem aquilo que os Economistas chamam o “índice de miséria”). Mas entre outros destinos, as verbas amealhadas permitirão entre outras coisas apoiar a criação de emprego e a protecção no desemprego, podendo ter também algum efeito positivo. Se assim é, o efeito global é melhor ou pior do que não mexer no IVA? Aqui, as investigações da Economia Comportamental fazem a diferença.
Os modelos económicos clássicos tendem a assumir uma relação inversa entre inflação e desemprego (a chamada “curva de Phillips”), mas investigações recentes mostram que o impacto negativo da inflação e do desemprego que é percebido pelas pessoas não têm o mesmo calibre. Por isso, no momento de decidir entre inflação ou desemprego, não devemos colocar o mesmo peso em ambos os factores. O estudo realizado por Di Tella e colaboradores, publicado em 2001 no American Economic Review mostra, por exemplo, que o impacto negativo do desemprego no bem-estar das pessoas é muito maior do que o impacto da inflação.
Em concreto, a subida de um ponto percentual no desemprego provoca a mesma redução na satisfação e no bem-estar das pessoas que provocariam 1, 7 pontos percentuais de aumento na inflação! Neste sentido, a subida do IVA é uma medida bem mais aceitável do que outras que têm sido sugeridas e as políticas de controlo inflacionista seguidas pelo BCE no passado recente (e que em parte terão contribuído para a crise económica e de desemprego que estamos a viver) são totalmente condenáveis. Mas há mais. E então a redução de salários na Administração Pública? Aqui, os governos agem ignorando por completo o que sabemos hoje sobre Economia Comportamental. Pode ser apenas um efeito psicológico, mas o mais importante é que esse efeito influencia a satisfação e a aceitação das pessoas das políticas em causa. A investigação mostra que a redução salarial é o pior cenário para aumentar o contributo das pessoas.
As pessoas seguem frequentemente a heurística de que o progresso se faz para a frente e que, como tal, um retrocesso no seu rendimento é uma impossibilidade. O efeito é tão forte que pessoas normais como nós (e mesmo estudantes de economia que não se apercebam que estão a ser avaliados!) prefeririam uma situação futura onde mantinham constante o seu rendimento num período de inflação elevada a uma situação onde reduziam o seu salário em 1% num período de deflação de 5%... pode parecer nonsense, mas é assim que nós pensamos sobre o dinheiro. Perder valor relativo é mais fácil que valor absoluto!!! É pois uma má medida a redução de salários e outras alternativas seriam bem melhores em termos de satisfação das pessoas.
Por exemplo, teria sido melhor a eliminação extraordinária do subsídio de natal. Se em termos financeiros pode constituir o mesmo valor (ou até mais, eventualmente), em termos psicológicos é como se fosse uma “caixinha diferente”. Claro que o dinheiro não é um bem discreto e, como tal o dinheiro é o mesmo. Mas para as pessoas o subsídio de natal é simplesmente dinheiro de uma “caixinha diferente”. É assim que pensamos, como mostram os estudos da Economia Comportamental. Neste sentido, a percepção seria a de que a medida era extraordinária e que não havia uma real descida nos salários (que obviamente existiria na mesma). Até mesmo a criação de um imposto extraordinário ou a subida do IRS para estes mesmos funcionários teria funcionado melhor.
Julgo que fica evidente a mais-valia da Economia Comportamental para a avaliação de opções políticas e de políticas públicas. Mas aqui fica um último apontamento. Alguns dizem que retirar dinheiro a quem mais tem pode contribuir para a equidade mas é injusto. Ora os estudos mostram que o valor marginal do rendimento diminui à medida que o seu valor absoluto aumenta. Ou seja, retirar 50,00€ a quem aufere 500,00€ tem um impacto muito mais negativo no seu bem-estar do que retirar 500,00€ a quem aufere 5000,00€, embora em ambos os casos se trate de uma remoção de 10%. As medidas de redução/taxação progressivas são por isso boas, porque a menos satisfação gerada em quem mais tem é menor do que aquela que se ganha em quem menos tem. Neste sentido, a redução progressiva dos salários é uma boa medida, embora se pudesse ter ido mais além neste campo.
Um último exemplo apenas: qual o valor marginal de 5% de redução para um reformado que aufere mais de 1500,00€ e que já não tem encargos com filhos nem eventualmente com aquisição de habitação própria? E o de um reformado que aufere 5000,00€ mensais? Será menor do que o de alguém com uma família por alimentar que ganhe o mesmo? Em suma, se decidimos que a felicidade é o objectivo último da vida humana, há que levar em conta os impactos diferenciais das opções políticas no bem-estar das pessoas e compreender que as relações entre estas variáveis nem sempre são lineares. Isto não quer dizer que as opções tomadas não incluam aspectos ideológicos e de tacticismo político, mas tão só que o conhecimento da ciência económica pode auxiliar a tomar medidas mais justas e eficazes para o bem das pessoas.
- Miguel Pereira Lopes , ISCSP - UTL (Câmar dos Comuns)