Por: Ana Fonseca da Luz
A menina Elvirinha
A menina Elvitinha não era santa, não senhora, mas também não havia dúvidas que quando morresse ia direitinha para o céu, onde S. Pedro havia de a aguardar, de braços abertos, ansioso que ela parasse com tanta reza, porque até Deus já devia estar cansado de tanto terço rezado e de tanta novena.
Mas adiante, a menina Elvirinha já andava a rondar os setenta anos e a verdade é que continuava virgenzinha da Silva, porque sempre tinha afastado todos os rapazes que de algum modo tinham mostrado interesse por ela.
A mãe bem tentou que a sua Elvira lhe desamparasse a loja e casasse com o filho do Ernesto padeiro, que além de ter um palminho de cara também tinha algo de seu, mas Elvirinha logo avisou a mãe que só a Deus se entregaria e que nenhum homem havia de a ver em trajes menores, isso é que era bom!
O pai logo deitou por contas que a filha para sempre ficaria encalhada lá em casa, para mal dos seus pecados.
Elvirinha, alheia a tudo o que a mãe e o pai lhe diziam sobre a necessidade de casar e ter um homem que a sustentasse, continuava entregue aos seus dois amores, o Pai do Céu e os bordados. onde era uma verdadeira artista.
Mas certo dia, há muitos anos, era ela uma pirralha com pouco mais de dezoito anos, ainda de soquetes de renda pelos tornozelos, eis que aparece um novo padre na aldeia, ainda a cheirar a cueiros e com cara de menino de coro, a rezar missa, dia sim, dia também.
Elvirinha, no primeiro dia que viu o padre Pedro a deitar a benção ao seu rebanho no fim da missa, tomou-se de amores por ele e julgou que uma vez que o padre era um enviado de Deus, não seria pecado nutrir aqueles sentimentos tão singulares e avassaladores, sentimentos que ela até então desconhecia.
Depois de conhecer o senhor padre, Elvirinha passou a andar de cabeça no ar, sempre a picar-se na agulha, na cor das linhas e no ponto Rococó da toalha da D. Elisabete da sapataria.
Missas? De manhã, à tarde e à noite, sempre na primeira fila, para que o padre Pedro visse o quanto ela era dedicada ao Senhor.
As coisas correram bem, quer dizer, aquele amor platónico da Elvirinha, correu bem, até ao dia em que o senhor prior, no fim da missa, estando ela ainda de joelhos recolhida em oração, lhe fez uma festa na cabeça e lhe perguntou:
-Menina Elvirinha, não se quer confessar? Se quiser, estou por sua conta.
Quando o padre Pedro lhe tocou nos cabelos, toda ela ficou com pele de galinha e um arrepio medonho deixou-a sem força nas pernas. Se ela estivesse de pé, se calhar tinha caído, ai tinha, tinha.
A igreja já estava vazia. Naquele instante era só ela, o padre Pedro, e os santos da igreja, Santa Rita de Cássia, São Sebastião e o Altíssimo, claro.
E a Elvirinha, já recomposta, mas muda, acompanhou o padre Pedro até à sacristia para que ele a ouvisse em confissão.
E ali, os dois, sozinhos, frente a frente, sentados nuns banquinhos de madeira, a Elvirinha abriu-se com o padre Pedro e confessou-lhe tudo o que sentia por ele, não omitindo nada, esperando que ele lhe desse uma boa penitência por tamanho pecado.
E o Padre Pedro, não foi de modas e deu-lhe a penitência ali mesmo, com a imagem de S. Bartolomeu, que parecia estar de castigo na sacristia, a olhar incrédulo para eles.
A Elvirinha nem queria acreditar quando sentiu o corpo do padre colado ao seu, a língua dele a entrar na sua boca, os dentes a bateram nos dentes e os gemidos a soltarem-se da garganta dos dois.
E ela sem força nas pernas e ele, ele cheio de força a querer desbravar-lhe a camisa e pôr à mostra o seu peito onde o coração lhe rebentava. Ele colado a ela e ela colada a ele...
Mas foi nesse momento que o milagre se deu, e a grande espada de metal de S. Bartolomeu caiu no chão, fazendo um estrondo tão grande que os dois se afastaram assutados e de pernas bambas.
-Perdoe-me, menina Elvirinha, balbuciou o padre Pedro, com a batina meio descomposta, enquanto ela abotoava os botões da sua camisa branca, que estava em desalinho, deixando adivinhar um peito farto e nunca desbravado.
Elvirinha benzeu-se três vezes e disse-lhe:
-Isto foi um sinal, senhor prior, um sinal que Deus me quer só para Ele, e saiu a correr sem olhar para trás, com o gosto do padre Pedro na boca e com o cheiro de macho em todos os seus poros.
A partir desse dia, Elvirinha passou a ir à missa apenas ao domingo e a ficar na última fila.
O padre Pedro ficou pouco tempo por ali. Diziam as más línguas que o padre tinha abandonado o sacerdócio, porque tinha uma amante na capital e que até era pai de filhos.
Elvirinha, nunca mais esqueceu o gosto do padre Pedro, é verdade, mas se já antes tinha jurado a si mesma que jamais se entregaria a nenhum homem, a partir desse dia, reforçou o juramento e passou a dedicar-se de alma e coração ao que a fazia feliz, rezar e bordar...