Por: Ana Fonseca da Luz
Ainda não esqueci...
Ainda não esqueci as manhãs em que comungávamos os frutos que as árvores humildemente nos ofereciam, e que nós, sofregamente, comíamos entre um beijo e outro.
Depois, ficávamos ali, a olhar o céu, nossa única testemunha e enchíamos o tempo de silêncio como se já não houvesse mais nada a dizer, como se apenas importasse que as estações se sucedessem, para que novos frutos nascessem, para morrerem nas nossas bocas tão cúmplices.
Quando o silêncio finalmente se despedia de nós, abríamos a porta e as janelas da casa onde não vivíamos, e deixávamos entrar o que restava do dia para que ele se deitasse connosco na cama, onde a brancura do linho de que eram feitos os lençóis, nos convidava a sucumbir ao pecado da carne.
Lá fora, as árvores continuavam a dar frutos, o silêncio é que já não era igual e os beijos já repousavam, cansados, na cama desfeita de afectos.
Ainda não esqueci as manhãs em que as cerejas enfeitavam as árvores, nem o toque das tuas mão fechadas nas minhas, quando ainda éramos meninos...
Sabes?
Ainda não esqueci o sabor que tinha a felicidade que morava dentro de nós, nem o gosto do último beijo que trocámos quando a nossa estória chegou ao fim...