Um dia, cheguei a casa mais tarde do que o habitual.
Na rua respirava melhor…
Encontrei-te taciturno, sentado na cama com as minhas malas empoeiradas e abertas, desnudando assim o segredo da minha ânsia de partir. Fiquei muda. O coração caiu-me aos pés e nesse momento senti-me a mulher menos corajosa do mundo, uma verdadeira cobarde. Choravas! Se soubesses como me doeram as tuas lágrimas…
Fiquei parada, à porta, à espera das perguntas que nunca fizeste.
E eu continuava ali, imóvel, muda e sem saber que rumo tomar.
Era tão fácil ir embora agora. Era só voltar a fechar as malas e partir. Afinal, nem casados éramos. Tinha-nos unido um dia, uma grande paixão, que foi morrendo à medida que nos fomos descobrindo e vendo que afinal não éramos feitos um para o outro e que ao contrário do que dizia a velha canção de Rui Veloso, muito mais era o que nos separava do que o aquilo que nos unia. Continuavas a olhar-me em silêncio, ora implorando-me que ficasse, ora suplicando-me que saísse para sempre da tua vida.
E eu ali, indecisa…
Finalmente disseste-me de cabeça baixa e de olhos turvos – vou me deitar-me, estou cansado…
Passaste por mim, sem me olhares, com os olhos colados nos sapatos, deixando-me inquieta e infeliz.
E agora, o que quero eu, afinal?
Olho para as malas que me apontam a liberdade por que tanto anseio e oiço-te movimentar no quarto ao lado, lentamente, como se fosses um velho sem forças para continuar a caminhada. Encho-me de um vazio estranho como se só agora me apercebesse que não posso, nem sei mais viver sem ti.
Desfaço as malas desajeitadamente, porque te quero reencontrar rapidamente, embora continue sem o que te dizer…
Estás sentado na cama de cabeça baixa, triste, apagado, à espera que eu te diga alguma coisa, mas eu estou sem palavras. Restam-me apenas gestos e sentimentos confusos e desalinhados. Finalmente, olhas-me e dizes-me baixinho enquanto te aninhas na nossa cama:
- Não vás ainda…deixa-te ficar até que eu tenha sono.