Por: Lurdes Véstia (*)
A Pesca, tacuinum sanitatis casanatensis (XIV century)
Segundo Maria Helena da Cruz Coelho (“A pesca fluvial na economia e sociedade medieval portuguesa”, in Cadernos Históricos, 6, “Actas do Seminário Pescas e navegações na história de Portugal (século XII a XVIII)”, Lagos, 1995) a bacia hidrográfica portuguesa “abrange 298,52 Km2, para uma área de 88,619Km2 e a navegabilidade de 11 dos principais rios estende-se por 812 km”, por esta leitura facilmente se percebe que o território português, pouco extenso, é no entanto razoavelmente rico em rios, não só pelos que nascem em solo nacional, como os que nele vêm desaguar, facilitando a fixação das populações junto das suas águas e dos seus portos naturais.
Coelho escreve que “a Idade Média, foi, sem dúvida, a idade do ouro do peixe, e por conseguinte da pesca de água doce, que jamais veio a conhecer uma tal projeção”. E Castro refere que “(…) uma parte da labuta diária do Homem medieval fosse dedicada a arrancar do seio das águas as diversas espécies comestíveis e o sal, desde as lampreias aos mariscos, às baleias e às numerosas variedades piscícolas, fluviais e marítimas”.
O cruzado Osberto de Bawdsey, em 1147, exalta o papel de destaque da atividade pesqueira ao asseverar que “o peixe era tanto que alguns acreditavam que no rio Tejo, para dois terços de água, sobrava um terço de peixe (…)”. A pesca fluvial deveria, na época, ser quase tão importante como a marítima, sofrendo depois uma acentuada diminuição até à contemporaneidade, como se atesta pelas palavras de Redol “(…) e por ali andei com eles, pescando à noite com as artes mais pequenas, ou partilhando o trabalho dos lances nas companhas do sável entre queixas dos mais velhos ainda lembrados dos tempos em que o Tejo era um jardim de peixe.”
Jaime Cortesão refere que são numerosos os documentos que certificam que, nos séculos XIII a XV, existia um vínculo comercial marítimo entre Santarém e a Flandres, Sevilha, o Norte de África e o Algarve. Em 1420, nas réplicas do rei D. João I sobre as dúvidas que levantou a obrigação da dízima nova aos escrivães da portagem de Lisboa, verifica-se que era vulgar a circulação do pescado e de diversas mercadorias, por rio, de Lisboa para Santarém. Era fácil para os barcos de Setúbal, Pederneira (bairro da vila da Nazaré que foi sede de um dos concelhos dos coutos de Alcobaça) e de fora do reino navegarem pelo rio Tejo diretamente até à então Villa de Santarém
Meios e modos de pesca
O rio Tejo desde tempos imemoriáveis que é famoso pelos seus sáveis que eram pescados, para além do método tradicional, também com armadilhas que eram primitivamente feitas com ramos de árvores entrelaçados ou vergas e posteriormente passou-se para um aparelho, que medeia o simples uso de ramos de árvore e o de utensílios mais proveitosos e impõe um fabrico mais difícil do que o simples corte de ramas, as “vargas”, deu-se essa mesma designação a alguns tipos de redes chamadas de “abbargas” que seriam constituídas por canas ou caniços entremeados que retinham os peixes. A prova de que as vargas foram utilizadas no rio Tejo, para a pesca dos sáveis, está num documento escrito por D. João I: “Item que sse pescam muitos saavés no Rio do Tejo, assy com as avargas do Infante dom anrrique meu filho”.
No que diz respeito a nassas e covos, “grandes cestos de vime entrançado ou de fio de cânhamo de boca larga e que iam estreitando fixados em determinados pontos (…)”, aparecem abundantes alusões nos documentos analisados para a execução deste texto.
D. João I, em 1394, solicita que não se deitassem covões com pedras para sibas (chocos ou sépias) nem outros peixes nas rias de Vagos, Aveiro, em Ovar e noutras regiões em redor, porque ali circulavam muitos navios de marear e estas armadilhas enleavam-se neles e provocavam grande dano. A este propósito Castro menciona que a “predominância de cada um destes processos dependia do condicionalismo geográfico de índole física e da influência das relações económicas estabelecidas”.
Num documento de 8 de Fevereiro de 1420 refere-se que os sáveis capturados no rio Tejo e rio de Alpiarça eram salgados em Lisboa e depois comercializados em Ceuta, o que pesava na balança comercial do território. Em Lisboa cresciam as vozes dos que se insurgiam contra este comércio intensivo com Ceuta pois segundo elas retirava da boca dos mais pobres os sáveis e outros pescados, com a alegação de que os rios eram livres a todos os que neles quisessem pescar.
Após a leitura de alguns documentos somos levados a ponderar que se pescava de forma abusiva, sobretudo em dias considerados magros, facilitando a extinção de algumas espécies, o que pode justificar o número excessivo de proibições de utilização de instrumentos considerados perigosos e regulamentos de pesca. No século XIV, no reinado de D. Afonso V, as queixas da população eram tantas que este teve que lhes pôr fim, sendo o primeiro rei, em Portugal, a regulamentar a pesca.
Já em 1462, D. Afonso V, impõe que os caniços dos canais da pesca dos sáveis no Tejo e no Zêzere fossem construídos de rama ou verga como as mantas da terra, com um palmo de largura e espaçados de dois dedos. Nesses caniços não se podia colocar esteiras ou outro objeto de forma a não matar as “savatelhas” (sabogas ou pequenos sáveis), que nadavam para o mar onde se criavam, e ter-se-iam de deitar vivas ao rio se ficassem presas nos caniços. Em Carta régia, D. Afonso, sustentou que acontecia que os sáveis que fugiam das “avargas e savaares e nassas” avançavam rio Tejo acima, onde desovavam, e que por Agosto e Setembro as “savatelhas” que se geravam seguiam pelos rios até ao mar onde se iam criar. Refere ainda que os que tinham canais faziam caniços de verga fechados e muito juntos e lançavam-lhes esteiras e redes miúdas dobradas, fazendo com que o pequeno peixe ao entrar nelas morre-se provocando um desequilíbrio para o crescimento da espécie. Estes pequenos peixes eram vendidos como se fossem sardinhas, levando à diminuição de sáveis, ano após ano.
D. Afonso V, em 1474, persistiu nesta questão e proibiu outras formas de apanhar os sáveis, impedindo os pescadores do rio Tejo de empregarem “bogueiros” e “lavadas” (classe de redes) e que utilizassem “copéis” nas redes, onde a semente do sável poderia morrer, pois estes eram feitos de redes de malha extremamente miúda impedindo a fuga de peixes muito pequenos e acabando por desequilibrar o ecossistema piscícola.
(…) Continua na próxima Crónica
(*) Mestre em Edcucação Social
Por: Lurdes Véstia (*)
A bateira do Tejo, que, como já referimos, é uma descendente das bateiras da Ria de Aveiro, levada para sul pelos pescadores ílhavos e varinos, continua a ser construída nos mesmos moldes e pouco alterou a sua forma original, tendo sido muito bem adaptada pelos Avieiros, que a aplicam na pesca do rio, com a arte de emalhar (tresmalho) e os galrichos, para as enguias.
Barcos que eram o seu principal instrumento de trabalho, o seu lar, o meio de transporte e tantas vezes a tumba. Ali trabalhavam, dormiam e comiam. Era também ali, no barco, que muitas vezes pariam e eram criados os filhos.
A D. Júlia Rabita relata assim esta vivência: (…) metíamos na caçadeira alguma comida, o bastante para um ou dois dias, um colchão, uma manta, pratos e talheres e chegados a um mouchão, armava-se o tolde no barco e era lá que a gente vivia nesses dias. Na proa do barco era colocado um “tolde” que atravessava “ da borda avante (...)” para servir de abrigo contra as borrascas. Era aqui que toda a família dormia, depois da emparadeira (4) era colocado um monte de areia para que pudessem fazer lume e que servia de cozinha, a parte da ré era a oficina da pesca e onde se guardavam as redes”.
Um universo reservado, com leis próprias.
Aliás o apodo de “cigano do rio” pode também ter surgido pelo facto de os Avieiros, enquanto sociedade fechada e repudiada, terem o hábito de casar entre si, como forma de protecção, para se defenderem e para preservarem o conhecimento que tinham das artes da pesca e para darem continuidade às suas tradições, tal como praticam as comunidades de etnia cigana.
A pesca
Pesca-se de noite, o arrais (homem), por norma é quem lança a rede e a camarada (mulher) é quem rema o barco aquando do lançamento. Depois a rede é recolhida para o interior do barco, pelo casal, com as duas cordas juntas de modo a fazer um saco.
Cada rede possui, para além de uma nomenclatura diferente (5) que os Avieiros “concebem”, uma forma e função distinta consoante o tipo de peixe a que se destina. As redes podem ser de arco, de arrasto, de alvitana ou redonda. Os panos de rede diferem na dimensão da sua malhagem - malha mais basta, para o peixe de menor porte, malha mais aberta, para o de maior.
Distinguem-se quatro tipos de redes de arco: o buturão, o galricho, o traquete e a nassa que se diferenciam pelo seu tamanho, pelos diâmetros das malhas e das bocas dos arcos.
As redes de arrasto, chincha e varina, são as redes de maior dimensão e de forma quadrangular.
As redes de alvitana ou redonda: o sabugar, a branqueira, o estremalho e a savara que se diferenciam pelo tamanho das malhas.
A confecção das redes, arte de sabegar, envolve o casal de pescadores.
1-As bateiras são barcos que têm a proa e a ré em bico e viradas para o céu, medindo entre quatro metros e meio a sete metros. Por fora, são pintadas a pês negro e por dentro com cores vivas e alegres. A vantagem em terem a proa e a ré em bico é o manuseamento do próprio barco.
2-Os saveiros são pequenas embarcações de cinco a sete metros de comprimento, utilizadas pelos Avieiros que faziam os seus próprios barcos para garantirem o sustento da família e que têm vindo a desaparecer dando lugar aos barcos de fibra. Resta, apenas, aos pescadores, as memórias e a transmissão dos legados a outras gentes.
3-As caçadeiras são embarcações tipicamente portuguesas que eram também conhecidas por canoas do alto. Existiam em quase todos os centros de pesca do país, embora com maior relevância para sul do Cabo da Roca e costa algarvia. Tinham muita quilha à ré, proa arredondada e popa de painel.
4- Emparadeira é um amparo de madeira que faz de suporte para os pés quando se rema
5-
Bemhaja, Carla V. Pereira, Nomenclaturas Avieiras da Pesca – Caneiras, Tese de Licenciatura, ESES, Santarém, 2010.
(*) Mestre em Educação Social
Por: Lurdes Véstia (*)
Barracas Avieiras em época de cheia
Como já referimos anteriormente os pescadores Avieiros estabeleceram-se no rio Tejo e no Sado, construindo uma cultura identitária e única, com base numa matriz comum, sendo as habitações de madeira assentes em estacas, espelhadas nos palheiros do litoral norte, uma das suas manifestações culturais. Se nas praias do litoral norte os palheiros eram construídos assentes em palafitas para evitar que as habitações fossem invadidas pelas areias varridas pelos ventos, no Tejo a utilidade das palafitas era a de permitir a passagem das águas do rio e assim defende-las na altura das cheias.
Essas barracas, ou palheiros, de acordo com as terminologias dos locais onde fundaram os seus assentamentos, e os materiais utilizados na sua construção, tinham basicamente a mesma tipologia de construção. Diz-nos Lopes Bento que esta forma de habitação terá surgido como adaptação ao ambiente: “(...) o pescador, porém, como o manejo da sua pesada alfaia o obrigue a não se distanciar muito da margem, quando caso mais frequente, a pesca é a sua exclusiva ocupação, adaptou a casa à instabilidade do solo em que habita. Vencer ou atenuar esta ação da dinâmica terrestre e principalmente na região onde ela se acentua com mais intensidade foi o que conseguiu com as habitações sobre estacaria”.
No Tejo, o termo palhota, com que se designavam em alguns locais as habitações dos Avieiros, derivava do facto de se utilizar palha, ou colmo, para as coberturas, material abundante nos terrenos agrícolas da Borda d´Água tagana.
A barraca (assim apelidada sem qualquer intuito pejorativo) era construída sobre estacaria e todo o material de construção utilizado era a madeira, com exceção do lar e da chaminé, que eram de tijolo e cal, e o telhado que era de telha e de duas ou quatro águas. Só mais tarde aparecem as estacarias feitas em betão de modo a oferecer mais consistência e durabilidade.
As tábuas que formavam as paredes achavam-se dispostas quase sempre verticalmente; só excecionalmente se viam tábuas atravessadas. As fachadas eram pintadas de cores garridas e muitas vezes da mesma cor que a embarcação de que eram proprietários, talvez como forma de identificação pessoal…Quando as barracas ficavam altas, subia-se para elas por uma escadaria externa, igualmente de madeira, que servia uma varanda,na frente do lado do rio, que permitia o acesso à porta principal. O interior da casa era geralmente composto por um ou dois quartos, dependendo do número de filhos, pintados de azul ou rosa conforme o sexo dos ocupantes, uma cozinha e uma sala. Muitas vezes a cozinha ficava fora da barraca por causa dos fogos.O recheio era adequado à sobriedade que caraterizava os pescadores. Regra geral a casa era o espaço da mulher e das crianças e a rua o do homem.
Ainda se podem ver várias barracas nalgumas das aldeias Avieiras, nomeadamente, Patacão, Caneiras, Escaroupim, Palhota e Porto da Palha. Umas em razoável estado de conservação mas a maioria a necessitar de urgente intervenção pois correm o risco de desabamento com o consequente esquecimento de uma arquitetura secular e única na Europa, a construção palafítica fluvial. Para que esta intervenção seja possível é urgente reconhecer o interesse do património e da cultura Avieira, como fatores de diferenciação e afirmação da genuinidade dos territórios, particularmente os mais fragilizados e marginalizados.
Foi neste tipo de habitação que cresceram os avós e pais da penúltima geração de Avieiros do Tejo.
1 -Professor catedrático convidado e presidente do Conselho Científico do Instituto Superior Politécnico Internacional.
(*) Mestre em Educação Social
Uma comunidade é reconhecida como forte quando preserva os seus traços culturais, quando os desenvolve e os transmite de geração em geração. Alimentar-se vai para além de um simples ato de nutrição, é um ato social que está fortemente presente nas raízes de um povo e é uma componente fundamental e imprescindível do quotidiano das comunidades. A alimentação tem um significado simbólico, é arte, é cultura.
Previamente há que realçar a importância da gastronomia dentro da comunidade Avieira. É, geralmente, à volta de uma mesa que se realizam os encontros familiares e se consolida o espírito de coesão e de união da comunidade. É, igualmente, neste contexto de socialização primária que os mais novos, instigados a cumprir as regras sociais vigentes sobre o que comer, como comer e como fazer o comer, recebem as informações transmitidas pela família aqui no seu papel de intermediária entre os jovens e a sociedade. Regra geral, os grandes momentos de alegria das famílias Avieiras são acompanhados de eventos gastronómicos: casamentos, nascimentos, batizados, aniversários, isto é, todas as datas festivas e simbólicas.
A culinária Avieira não foge à regra geral descrita na teoria de que «é a arte de saber comer e beber bem». A culinária Avieira é cultura, é tradição, são raízes fortemente impregnadas na comunidade e que se vão passando de geração em geração. É esta união para preservar o que é deles e de mais ninguém que torna esta gente tão forte. Como diz a investigadora Maria Leonor Soares Leal, no livro «A História da Gastronomia», «cozinhar é uma ação cultural que nos liga ao que fomos, somos e seremos e, também, com o que produzimos, cremos, projetamos e sonhamos».
Tradição, adaptação e subsistência. Estes são os traços que identificam as origens da cozinha Avieira, esta arte culinária tem características mediterrânicas e é marcada pela presença das ervas do campo e de peixes do rio, como o sável, a saboga, a fataça a enguia ou o barbo.
A culinária dos Avieiros é fruto do ambiente natural de proveniência – Praia da Vieira – da cultura própria da comunidade e dos locais para onde migraram. A culinária Avieira foi, portanto sendo cruzada, ao longo do processo de assentamento (pelo menos desde 1833), com os recursos disponíveis, as necessidades e as práticas ancestrais da comunidade. Nos primeiros momentos, quando pretenderam sedentarizar-se nas margens do rio Tejo, os pescadores Avieiros não tiveram como alvo as zonas férteis da lezíria ribatejana. O objetivo primeiro foi encontrar um local para «levantar» um abrigo que os protegesse contra as intempéries. Esta procura levou-os até locais privilegiados na Borda d´Água onde se tornava fácil o acesso aos barcos. Só mais tarde os Avieiros construíram as suas «barracas» mais dentro das margens e perto dos campos cultiváveis. Como é óbvio foi nos produtos que a natureza, espontaneamente, lhes providenciava que os pescadores Avieiros encontraram a base da sua alimentação, limitando-se a colher, a pescar e a caçar. Durante muitos anos não praticaram qualquer agricultura. Sabe-se, pelos testemunhos recolhidos, que as ervas mais utilizadas pelas mulheres Avieiras na sua cozinha eram saramagos, cangarinhas, grizandas, pampostos, beldroegas e agriões selvagens.
Os Avieiros no seu dia-a-dia alimentavam-se essencialmente do peixe que pescavam: sável, saboga, fataça, enguia, barbo, robalo, boga, etc. Nas palavras de uma Avieira que entrevistei para a minha tese de mestrado: «A gente só comia saramagos e grizandas e pampostos. Só comíamos coisas dessas. Grizandas é uma erva que deita uma flor amarela e eu gostava muito daquilo. De pampostos eu não gostava muito porque era muito macio. Cangarrinhas, saramagos, fazíamos sopa disso. Os saramagos, o feijão, botava saramagos ou grizandas, botava um bocadinho de toicinho, um bocadinho de morcela, era o conduto, uns baguinhos de arroz e comíamos sempre. Mas nunca deu para mais. Beldroegas, eu comia em salada. Os agriões dantes eram uma coisa selvagem...Eu não me engraçava muito com o saramago, mas era tão importante que algumas pessoas tinham alcunhas de «Saramago». Nunca passámos fome... Porque dantes a gente... Havia muito rabisco, milho e feijão, na lezíria e a gente ia ao rabisco do milho e do feijão e depois tínhamos sempre feijão. E tínhamos azeite. Arranjávamos azeite do rabisco, fazíamos água-pé».
Hoje em dia a alimentação dos Avieiros é muito parecida com a de todos nós, se bem que possam apostar um pouco mais no peixe. No entanto a tradição ainda lhes recomenda algumas restrições… No que diz respeito aos antepassados não podemos esquecer que eram pessoas muito simples e pobres logo com uma alimentação muito «prudente». Do meu ponto de vista eles praticavam a típica dieta mediterrânica: peixe, batatas, todo o tipo de legumes e ervas que existiam ao longo do rio, fruta, azeite e vinho. Estes três últimos provinham do «rabisco» que faziam nos terrenos agrícolas vizinhos das aldeias e durante a noite quando andavam à pesca… Comiam melhor pelos casamentos e no Natal onde já aparece a carne de porco, de borrego e galináceos. Os porcos e os galináceos eram criados por eles mas os borregos eram muitas das vezes «negociados» com os donos dos terrenos em troca da limpeza e conservação das marachas do Tejo e pelo transporte do gado de margem para margem ou para os mouchões no leito do rio.
Das receitas conhecidas, temos: sável frito com açorda de ovas; arroz de sável; enguias fritas, grelhadas e de ensopado; fataça na telha e grelhada; arroz de lampreia; lampreia à bordalesa; lampreia grelhada. Para os dias festivos, ensopado de borrego e assado no espeto; porco no espeto da vara de salgueiro; galináceos corados e de arroz. E na sobremesa destaca-se o arroz doce com canela.
Entendo que a história de um lugar se escreve, também, através da sua gastronomia pois esta constitui um bem cultural quase tão valioso quanto o património material. A culinária Avieira tem sido alvo, ultimamente, de vários eventos espalhados pelas diferentes zonas ribeirinhas e tem vindo a assumir-se como um agente galvanizador de outras atividades, as quais, no seu conjunto, induzem um efeito multiplicador com capacidade para a criação e desenvolvimento de pequenas empresas, em muitos casos de cariz familiar, contribuindo, assim, de forma significativa para a criação de riqueza dentro das comunidades ribeirinhas. Penso que o crescente interesse do turismo pela culinária Avieira poderá ajudar a resgatar tradições prestes a desaparecer e a manter a identidade deste povo.
Deixo aqui o repto a alguém, da área da Saúde ou da Nutrição, para desenvolver uma investigação sobre uma teoria, que eu gostava de ver tratada, que diz respeito à ligação que faço no meu trabalho «Avieiros-Dores e Maleitas» entre a alimentação dos Avieiros, a verdadeira dieta mediterrânica, e a sua longevidade. Durante a minha investigação foi comum encontrar gente Avieira muito idosa, saudável que, na década de 60 do século passado, atingiam com facilidade mais de 80 anos, para ambos os sexos, quando a longevidade média era de 60 anos para os homens e 65 para as mulheres.
(*)Mestre em Educação Social
Por: Lurdes Véstia (*)
Nesta Crónica vamos fazer uma viagem pelos assentamentos Avieiros ainda existentes se bem que em alguns casos se vejam praticamente só ruínas…
Os assentamentos avieiros estenderam-se, como já foi referido na Crónica passada, por um território vasto, porque abarca o Tejo, desde a Póvoa de Santa Iria até Abrantes, e ainda a foz do rio Sado, especialmente em Alcácer do Sal. Na Borda d´Água tagana ainda subsistem as aldeias Avieiras de Porto da Palha (Azambuja), Palhota (Cartaxo), Escaroupim (Salvaterra de Magos), Caneiras (Santarém), Patacão (Alpiarça) e Azinhaga (Golegã). As aldeias Avieiras do grande estuário, Vila Franca de Xira, Alhandra e Póvoa de Santa Iria foram arrasadas pela autarquia, em nome da modernidade, e substituídas por bairros sociais descaracterizados.
Há aldeias que ainda guardam a “arquitetura” original das suas barracas e preservam as relações interpessoais com muita autenticidade. Por exemplo, se no Patacão (Alpiarça) as barracas foram abandonadas, por as famílias terem ido viver para a sede do concelho, na aldeia das Caneiras (Santarém) ainda há muitas famílias Avieiras que ai vivem e mantém a atividade piscatória.
Praia do Ribatejo (Vila Nova da Barquinha)
Infelizmente já não resta qualquer vestígio da única casa palafítica ai existente. Em tempo útil alertámos para a necessidade de proteger esta barraca no concelho de Vila Nova da Barquinha, não fomos movidos por qualquer intuito conservador mas tão só o de preservar um património único e identitário.
Azinhaga (Golegã)
Esta barraca é a tradicional construção palafita e encontra-se perto da Ponte do Cação. Foi em tempos totalmente recuperada pelo seu proprietário, o Avieiro Custódio Petinga, com o apoio do Município da Golegã. Está suportada por colunas de tijolo e cimento, mas outrora esta estrutura era feita com troncos de madeira para deixar passar as águas em tempo de cheia do rio, o telhado é de duas águas, a fachada apresenta duas portas e uma janela e uma varanda o acesso é feito por uma escada.
Patacão (Alpiarça)
Em Alpiarça conhecem-se vários assentamentos Avieiros: Patacão de Cima e Patacão de Baixo, Touco, Quinta da Torre, Torrinha e Gouxa.
Destes só temos vestígios no Patacão. Este conjunto foi edificado junto ao dique de modo a ser a “rua” que liga todas barracas entre si.
Patacão (Alpiarça)
Caneiras (Santarém)
Caneiras, no concelho de Santarém, possui cerca de 300 habitantes que se encontram divididos entre dois núcleos, um mais antigo situado junto ao rio Tejo, e outro mais recente criado quando os Avieiros começaram a virar-se para a agricultura e até para os serviços.
O conjunto mais antigo necessita de salvaguarda urgente pois corre o risco de total abandono, descaracterização e até a ruína.
Escaroupim (Salvaterra de Magos)
A cerca de 7 Km de Salvaterra de Magos situa-se a aldeia de Escaroupim, é uma típica aldeia piscatória, formada em meados dos anos 30. A Casa Museu Avieira foi um espaço criado pela autarquia, para preservar a memória coletiva dos Avieiros, é de madeira pintada de cores vivas e construída sobre estacas. No seu interior destacam-se três espaços: a cozinha onde o elemento que mais se realça é a lareira ladeada por tijolos e cheia com terra batida, a mesa das refeições e várias prateleiras completam esta divisão. A sala é a outra divisão onde estão dois baús para guardar roupa. Os dois quartos são de pequenas dimensões com camas de ferro. Por cima dos quartos, uma última divisão que serve de sótão para guardar os materiais de pesca.
Palhota (Cartaxo)
A Palhota é uma aldeia que pertence à freguesia de Valada, concelho do Cartaxo.
A aldeia Avieira da Palhota é toda ela erguida com casas de madeira, tipo palafitas, cuja origem se perde nos tempos. Nesta aldeia viveu Alves Redol (1911-1969) que aqui escreveu o seu romance “Avieiros”. O nome desta aldeia deriva do facto de na margem oposta se encontrar a Quinta da Palhota….
Porto da Palha (Azambuja)
Na propriedade do Lezirão, Azambuja, existe uma aldeia Avieira, Porto da Palha, uma comunidade de pescadores Avieiros, que foi assim alcunhada pelo facto de dai partirem muitas embarcações carregadas de palha para fazerem as “camas” dos cavalos na capital.
Síntese
A intenção de cimentar um projeto de desenvolvimento sustentável para a Borda d´Água tagana, com base na cultura Avieira e no rio Tejo, tem-nos obrigado a um trabalho continuado de divulgação e sensibilização para a necessidade de preservar e valorizar este património único e singular que existe, ainda, nas margens do rio Tejo.
(*) Mestre em Educação Social
Por: Antonieta Dias (*)
“Consta do Portal da Saúde que; A Constituição da República Portuguesa estabelece que todos os cidadãos têm direito à prestação de cuidados globais de saúde. O sistema público de saúde está a cargo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que depende do Ministério da Saúde.
Os beneficiários do Serviço Nacional de Saúde são os cidadãos Portugueses, cidadãos de Estados-Membros da UE (em conformidade com os Regulamentos da CE), cidadãos estrangeiros residentes em Portugal em condições de reciprocidade, apátridas residentes em Portugal e requerentes de asilo.
Os cidadãos estrangeiros residindo legalmente em Portugal têm acesso, em igualdade de circunstâncias, aos cuidados de saúde e assistência medicamentosa. Os cidadãos estrangeiros possuidores de autorização de permanência ou de residência, ou de um visto de trabalho, devem obter um cartão de utente, sendo-lhes designado um médico de família. Caso não descontem para a Segurança Social, terão de suportar os respectivos tratamentos.
Os residentes de um Estado-Membro da União Europeia têm acesso aos cuidados de saúde em igualdade de circunstâncias (“Cartão Europeu de Seguro de Doença”). O mesmo acontece com os residentes de países terceiros que tenham assinado um acordo bilateral com Portugal, tais como o Brasil (“PB4”).
O Cartão de Utente do SNS é um documento que prova a identidade do titular perante as instituições e serviços integrados no SNS. A sua emissão é gratuita e deve ser apresentado para prestação de cuidados de saúde, para requisição e acesso a consultas médicas e a meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica, bem como para a prescrição e aquisição de medicamentos.”
Com base no que está estabelecido supra referido, não se compreende que os doentes que necessitam de cuidados médicos, sejam confrontados com uma série de leis publicadas recentemente, que contrariam o que está preconizado na Constituição Portuguesa, para além de que a cobertura universal que o SNS oferece deveria ser garantida a todos os portugueses da mesma forma, independentemente do local da sua residência.
Ora, a situação gerada por todas estas transformações legislativas fazem com que exista uma desigualdade no acesso aos cuidados de saúde por parte dos cidadãos portugueses.
Enquanto que, nos grandes centros urbanos, designadamente nas cidades teoricamente mais populosas, os recursos são muito diferentes daqueles que existem nos meios rurais.
Se é certo que todos os cidadãos portugueses se encontram com igualdade de direitos e deveres nacionais no que se refere à prestação de cuidados de saúde, o que constatamos na nossa vivência do dia a dia é que se um cidadão reside no interior do País tem muito mais dificuldades em obter o nível de prestação dos cuidados de saúde, passando a usufruir de uma penalização injusta devido às desigualdades existentes na distribuição institucional dos departamentos destinados a assistir os utentes, tendo em conta que os residentes nos meios urbanos têm uma maior opção de escolha não só no que se refere à acessibilidade, mas também aos recursos disponíveis quer técnicos quer humanos, impedindo assim que a liberdade universal destinada a ser vivenciada por todos os português fique muito aquém do esperado.
Torna-se ainda mais cruel quando a rede de transportes escasseia e os recursos financeiros dos doentes se tornam cada vez mais precários.
Se pensarmos que cerca de um quarto da população portuguesa está coberta por subsistemas de saúde, e que uma percentagem muito pequena, cerca de 10%, usufrui de seguros de saúde privados, que estabelecem pacotes fechados com as entidades de saúde privadas, racionado a resposta às necessidades de cada um dos seus segurados.
Cabe assim a responsabilidade ao Ministério da Saúde de desenvolver as politicas de saúde que permitam manter a sustentabilidade da gestão do SNS, sem contudo esquecer que são as contribuições dos empregados, nos quais se incluem os funcionários públicos do Estado, as principais fontes de financiamento dos subsistemas de saúde.
Importa, ainda salientar que Portugal tem cerca de 17% das causas de morte devidas a doença cérebro vascular o que origina perdas humanas, nalguns casos evitáveis e que 12% na nossa população morre de cancro.
Estes números são assustadores e preocupantes, sendo que a tendência é para aumentar devido á carência e à resposta atempada dos serviços de saúde.
O Ministério da Saúde tem que reconhecer que o papel mais importante dos programas a implementar é o da educação para a saúde, cujo principal objectivo destina-se a manter a população devidamente informada sobre os efeitos positivos e negativos dos vários estilos de vida que directa ou indirectamente se irão reflectir nas taxas de mortalidade e de morbilidade que serão mais ou menos elevadas conforme os efeitos positivos ou negativos do seu comportamento em relação à sua saúde.
Estima-se que a esperança média de vida se situa nos 77.9 anos, podendo vir a diminuir se continuarem a cometer-se esta política de saúde actual.
Apesar da melhoria dos equipamentos e da humanização das unidades de saúde (Unidades de Saúde Familiar e Hospitais) nestes últimos anos ter sido implementada com sucesso, não é contudo suficiente para responder às necessidades emergentes que a população realmente necessita.
Acresce ainda que a centralização das unidades hospitalares veio trazer um congestionamento e um racionamento na resposta a determinadas especialidades que não são compatíveis com o Estado de Direito Democrático que o nosso País exige.
Resta ainda acrescentar que o transporte de emergência que é assegurado por bombeiros, associações humanitárias e pelo Instituto Nacional de Emergência Médica INEM, tem tido um papel preponderante na resolução de problemas cuja gravidade clinica transforma este serviço numa entidade pública imprescindível para os utentes.
E o fato de existir uma linha de emergência médica disponível durante 24 horas por dia acessível a todos o utentes ter vindo a colmatar algumas deficiências na resposta atempada aos cuidados de saúde, o numero de viaturas tem demonstrado que é demasiado insuficiente, tendo sido relatados recentemente alguns bastante infelizes com perdas de vidas que potencialmente evitáveis se os recursos fossem outros.
Tendo em conta o teor da Constituição Portuguesa, que é bem clara sobre o direito que os cidadãos têm à prestação de cuidados de saúde tendencialmente gratuita, constatamos que os utentes são cada vez mais penalizados e obrigados a contribuir com taxas de pagamento cada vez mais elevadas não só nas urgências, nas consultas, nos tratamentos, nos medicamentos e nas e cirurgias, cujo valor actual se está a tornar quase completamente incomportável deixando assim os utentes ao seu triste destino que é em muitos casos a coarctação da possibilidade de serem assistidos na doença pela privação económica a que estão a ser violentados, pelo sucessivo aumento de impostos, pela diminuição do seu vencimento, pela elevada taxa de desemprego e pela abrupta e inesperada diminuição dos seus rendimentos.
(*) Doutorada em medicina
Como já se referiu, em Crónica anterior, os Avieiros com o decorrer do tempo foram-se fixando, definitivamente, nas margens do Tejo.
Por: Lurdes Véstia (*)
São várias as causas apontadas para esta fixação e como refere Maria Adelaide Salvado “ (…) cá davam-se melhor, porque adoeceram dos pulmões e lhes fazia mal o ar do mar”. Com a fixação definitiva, surge a necessidade de encontrar um lar mais estável, resistente e confortável”.
Aldeia Avieira de Obras (Azambuja) 1941
Pouco a pouco na Borda d´Água Tagana começam a erguer pequenas barracas totalmente construídas em caniço e logo que as condições económicas o permitiam começavam a comprar madeira; aos poucos iam construindo as suas pequenas casas em comunidades de características muito peculiares. Assim se foram, aos poucos, fundando os assentamentos Avieiros. “ (…) pequenas, talvez para que as não vissem, ou tímidas para que não as mandassem destruir. Ou pequenas e tímidas por causa dos materiais e das agruras do tempo”.
Casas Avieiras em caniço. Mouchão de São Braz – Chamusca
As primeiras habitações nas margens do Tejo foram semelhantes aos palheiros de Mira e da Praia da Vieira de Leiria, a referência mais antiga e conhecida de palheiros data de 1875. A maior originalidade deste aglomerado de pescadores era exactamente a sua arquitectura de madeira onde as casas chegavam a atingir dois e mesmo três andares, possuindo dimensões não encontradas noutras praias e formavam a quase totalidade da povoação até ao final dos anos 60. Mais tarde transformaram-se em construções palafíticas, elevadas do solo e sustentadas por estacas de madeira ou por estacas de pedra, dependendo da zona onde queriam construir a casa, mas sempre para a manter acima do limite da água em época de cheias ou da subida das marés.
Palheiros da Praia de Vieira de Leiria, demolidos na década de setenta do séc. XX
Pela descrição de uma Avieira que entrevistei, as cozinhas eram construídas em madeira e exteriores às casas, diz ela que era ” (…) por via do fumo e essas coisas…”.
Existem descrições que dão conta que os pescadores Avieiros levantavam estas construções e as mudavam da localização original, para outra mais abrigada ou adequada, de modo a garantir maior conforto ao núcleo familiar.
Os Avieiros apelidavam as suas próprias habitações de “barracas” sem que isso tivesse um sentido depreciativo mas tão-somente pelo aspecto que estas tinham, todas em madeira e bastante rudimentares.
Aldeia Avieira de Caneiras (Santarém)
O Capitão-de-mar-e-guerra Baldaque da Silva na sua notável obra “Estado actual das pescas em Portugal”, publicada em 1892, e com base nos dados do Inquérito Industrial de 1890, referencia os seguintes portos fluviais no rio Tejo: Vila Franca de Xira, Alcochete, Aldeia Galega, Muge, Santarém, Constância e Abrantes.
Esta obra oferece-nos importantes referências sobre a pesca no Tejo e os homens e mulheres que exerciam a faina, “(…) em determinadas épocas do ano é muito importante a pesca que se faz no rio Tejo, não só em todo o estuário do rio, desde a embocadura até Valada, mas também para cima, até muito a montante de Abrantes”.
Em 1978, no Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa, a Dra. Maria Micaela Soares referenciava cerca de oitenta aldeias de Avieiros desde Sacavém até Abrantes.
Em trabalho de investigação, efectuado para a produção da obra Avieiros – Dores e Maleitas, no Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, consegui referenciar os seguintes assentamentos no distrito de Santarém:
Almeirim - Vala de Almeirim, Benfica do Ribatejo, Casal Branco, Vale Tejolos, Azeitada
Alpiarça – Alpiarça, Patacão de Baixo, Patacão de Cima, Touco, Quinta da Torre, Torrinha, Gouxa, Vala Real
Azambuja – Porto da Palha
Benavente - Benavente
Chamusca – Porto das Mulheres, Porto do Carvão, Chamusca
Cartaxo -Valada; Porto de Muge, Palhota; Lugar de Sant´Ana
Coruche – Estação
Golegã - Azinhaga, Pombalinho
Salvaterra de Magos - Muge
Santarém - Barreira da Bica, Alfange, Ribeira de Str, Caneiras. Ómnias, Ponte do Vale de Str, Ponte Celeiro, Ponte Asseca, S. Vicente do Paúl, Vale de Figueira, Praias do Tejo.
Referências bibliográficas
Baldaque da Silva, António Artur, 1891, "Estado actual das pescas em Portugal". Lisboa, Imprensa Nacional.
Salvado, Maria Adelaide N. 1995, Os Avieiros, nos finais da década de cinquenta, Castelo Branco.
Soares, Maria Micaela, 1986, A cultura Avieira. Continuidade e mudança”, In Separata do Colóquio “Santos Graça” de Etnografia Marítima.
- Soares, Maria Micaela, 1997, Mulheres da Estremadura In Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, n. 83.
(*) *)Mestre em Educação Social
Por: Antonieta Dias (*)
Um país em guerra, gera sempre conflitos armados, que são na sua grande parte demasiado graves, provocando lesões não só no grupo responsável pelo despoletar do problema, mas também irá provocar dano em pessoas que se encontram alheias ao sistema e ao fenómeno da guerra.
Este fato é de tal forma importante que implicou a reflexão das Nações Unidas que não ficaram alheias ao grupo de inocentes (crianças e adolescentes), atingidas e violadas nos seus direitos humanos.
Muitos destes jovens são mortos, raptados, violados sexualmente, agredidos, mutilados, vítimas de maus – tratos físicos e psicológicos, abandonados e sufocados pelo sofrimento.
Sendo certo que as crianças e jovens pertencem a um dos principais grupos vulneráveis de risco, são um alvo fácil nas situações de conflitos armados cuja focalização dirigida facilmente se instala perante esta população já de si fragilizada, incauta, impreparada e sem experiência ficando impotente quando é envolvida e apanhada de surpresa.
Estas crianças e jovens são muitas vezes alvo das táticas da guerra, que atacam as escolas, causando o terrorismo e o pavor.
Este fato gerou um enorme empenho por parte de muitos países que uniram esforços e envolveram as várias entidades internacionais mobilizando-as e criando as medidas para minimizar todas estas atitudes de violência.
Sem dúvida que as Nações Unidas têm tido um papel determinante nas últimas décadas, ao liderarem o processo de proteção destes jovens.
Esta grande preocupação social pelos jovens em perigo levou a que em Junho de 2010, o Conselho de Segurança emitisse uma declaração em que se comprometia a adotar medidas eficazes e assertivas contra os infratores.
Várias medidas foram propostas para por fim à impunidade dos infratores que cometem tão horrorosos crimes, e foram criadas as metas destinadas à proteção das crianças e jovens durante os conflitos armados.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem feito todos os esforços para impedirem os confrontos, salvaguardar a paz e a segurança internacional.
Assim perante as situações de guerra há que garantir o cumprimento universal das normas e padrões internacionais, acabar com a impunidade dos criminosos, promover a justiça, reforçar os mecanismos de comunicação nacionais e internacionais, garantir a sustentabilidade através da criação de mecanismos e estratégias que permitam a reintegração das vitimas traçando os caminhos que conduzam à paz.
Não é possível deixar de sinalizar o ano de 2012, em que os conflitos armados foram responsáveis pela morte de 95 mil pessoas em todo o mundo, sendo que na maior parte cidadãos civis.
Os conflitos armados ocorridos em 2012 foram na sua maioria conflitos “não internacionais.”
Sem dúvida que este período foi caracterizado como uma época difícil, sendo importante destacar os Países da Síria, Afeganistão e México pelo fato de terem sido aqueles em que o número de mortos foi mais elevado.
Um relatório da Academia de Genebra divulgou a existência de 38 conflitos armados em 24 países e territórios.
A conflitualidade desencadeada por estes fenómenos é causadora de catástrofes que lesam as sociedades abrangidas e provocam risco ambiental, acidental, conflitual tornando-as permeáveis ao terrorismo.
O crescimento da população mundial e da globalização económica e cultural, em meados do Séc. XX gerou uma sociedade de risco/perigo de desastres, catástrofes ou acidentes, que motivou vários conflitos cujas vítimas e prejuízos materiais se vieram a refletir gravemente nas condições de vida dos cidadãos, de forma acelerada, devastadora e perigosa levando muitas vezes à destruição e à tragedia nos vários pontos do globo.
Cerca de 75% da população mundial reside em áreas que já foram afetadas por catástrofes e desastres, que determinaram uma média de 184 pessoas por dia.
Na última década, as catástrofes naturais provocaram mais de 600 mil mortos e atingiram de forma indireta ou direta cerca de 2,4 biliões de pessoas.
Estas mortes exigem a intervenção de uma das grandes áreas da medicina focalizada para a investigação das causas de morte e identificação dos cadáveres, sendo esta obrigatoriedade da responsabilidade das ciências forenses, mais especificamente da área da tanatologia.
A Medicina Forense: “É a disciplina que efetua o estudo teórico e prático dos conhecimentos médicos e biológicos necessários para a resolução dos problemas jurídicos, administrativos, canônicos ou militares, com utilidade, com utilitária aplicação propedêutica a estas questões” (Basile e Waisman).
A medicina – legal, carateriza-se por ser uma ciência onde os vários conhecimentos da medicina e do direito se focalizam na resolução dos problemas relacionados com as lesões corporais.
A nobre missão da medicina e da justiça têm como suporte a investigação dos vários ramos da ciência forense e do direito.
A ciência e a arte exigida para emitir um parecer pericial, obriga a que o perito tenha um conhecimento profundo sobre o universo científico deste ramo da medicina, para poder emitir um parecer alicerçado em sabedoria especializada, de forma clara e esclarecida independentemente do destino e da forma oral ou documental que irá traduzir e descrever os aspetos técnicos e científicos do caso em apreço, para que o juiz possa compreender e analisar o laudo pericial como um peça fundamental na decisão judicial.
(*) Doutorada em medicina
Por: Lurdes Véstia (*)
A forma de estar na vida, que caracterizava os pescadores oriundos da Praia da Vieira, era desconhecida, incompreendida e socialmente marginalizada pelas comunidades locais e por isso os pescadores migrantes, nos primeiros tempos de fixação nas margens do rio Tejo, tiveram de enfrentar a animosidade dos autóctones, vendo-se obrigados a viver nos seus barcos apelidados de bateiras (barcos que têm a proa e a ré em bico e viradas para o céu, medindo entre quatro metros e meio a sete metros. Por fora, são pintadas a pês negro e por dentro com cores vivas e alegres. A vantagem em terem a proa e a ré em bico é o manuseamento do próprio barco), saveiros (pequenas embarcações de cinco a sete metros de comprimento) e também nas caçadeiras (embarcações tipicamente portuguesas que eram também conhecidas por canoas do alto. Existiam em quase todos os centros de pesca do país, embora com maior relevância para sul do Cabo da Roca e costa algarvia. Tinham muita quilha à ré, proa arredondada e popa de painel), onde guardavam todos os haveres e os instrumentos necessários à pesca. Os barcos eram o seu principal instrumento de trabalho, o seu lar, o meio de transporte e tantas vezes a tumba. Ali trabalhavam, dormiam e comiam. Era também ali, no barco, que muitas vezes pariam e eram criados os filhos.
Como me confidenciou uma Avieira: “metíamos na caçadeira alguma comida, o bastante para um ou dois dias, um colchão, uma manta, pratos e talheres e quando chegados a um mouchão, armava-se o tolde no barco e era lá que a gente vivia nesses dias”.
Na proa do barco era colocado um “tolde” que atravessava “ da borda avante (...)” para servir de abrigo contra as borrascas. Era aqui que toda a família dormia, depois da emparadeira (amparo de madeira que faz de suporte para os pés quando se rema) era colocado um monte de areia para que pudessem fazer lume e que servia de cozinha, a parte da ré era a oficina da pesca e onde se guardavam as redes.Um universo reservado, com leis próprias.
Aliás o apodo de “cigano” pode também ter surgido pelo facto de os Avieiros, enquanto sociedade fechada e repudiada, terem o hábito de casar entre si, como forma de protecção, para se defenderem e para preservarem o conhecimento que tinham das artes da pesca e para darem continuidade às suas tradições, tal como praticam as comunidades de etnia cigana.
As embarcações utilizadas pelos Avieiros são construídas por eles mas têm vindo a desaparecer dando lugar aos barcos de fibra. Resta, apenas, aos pescadores, as memórias e a transmissão dos legados a outras gentes.
Pesca-se de noite, o arrais (homem), por norma é quem lança a rede e a camarada (mulher) é quem rema o barco aquando do lançamento. Depois a rede é recolhida para o interior do barco, pelo casal, com as duas cordas juntas de modo a fazer um saco.
Cada rede possui, para além de uma nomenclatura diferente, que os Avieiros “concebem”, uma forma e função distintas consoante o tipo de peixe a que se destina. As redes podem ser de arco, de arrasto, de alvitana ou redonda. Os panos de rede diferem na dimensão da sua malhagem - malha mais basta, para o peixe de menor porte, malha mais aberta, para o de maior. Distinguem-se quatro tipos de redes de arco: o buturão, o galricho, o traquete e a nassa que se diferenciam pelo seu tamanho, pelos diâmetros das malhas e das bocas dos arcos. As redes de arrasto, chincha e varina, são as redes de maior dimensão e de forma quadrangular.
As redes de alvitana ou redonda: o sabugar, a branqueira, o estremalho e a savara que se diferenciam pelo tamanho das malhas.
A confecção das redes, arte de sabegar, envolve o casal de pescadores.
(*)Mestre em Educação Social
Por: Antonieta Dias (*)
A questão da informatização /informação dos registos clínicos, tornou-se uma exigência do século XXI, sendo só por si uma iniciativa, louvável e absolutamente indispensável no estado actual, tendo em conta a sua relevância e a sua inquestionável importância.
Apesar de se revestir de uma enorme utilidade prática pela rapidez com que se acede a todos os registos permitindo uma circulação rápida de toda a documentação clinica, não deixa porém de ser também uma enorme preocupação para doentes, tendo em conta a quantidade de informação sigilosa a que os profissionais têm acesso.
Esta necessidade vital de fazer circular a informação de forma célere, carece de alguns cuidados no registo e na codificação dos dados pessoais.
O fato de facilitar ao utilizador uma excelente possibilidade de armazenamento de informações pessoais dos pacientes, cujo registo é feito de forma explicita, permite uma rápida disponibilização da matéria prima privilegiada e recolhida da essência do ser humano que procura os serviços de saúde.
Apesar de haver a obrigatoriedade da protecção da informação fornecida, não existe a garantia de que outras pessoas cujo acesso lhes é permitido venham a respeitar este mesmo princípio.
Pese embora a inequívoca estratégia de manter a informação dentro dos profissionais que cuidam directamente o paciente, por razões de confiança da relação médico/paciente (utente, doente, cliente), o acesso à privacidade de cada um, só é possível se existir um compromisso entre o profissional de saúde e o doente que o procura.
Porém, a possibilidade de armazenar os registos clinicos “microchip”, na base de dados do processo do doente, em que outras pessoas por questões técnicas irão ter acesso a este mesmo registo, irá com certeza inibir nalguns casos a livre informação dos elementos essências que deveriam ser fornecidos pelos doentes.
Não é por isso incomum que alguns pacientes, quando se vêem confrontados com o pedido de divulgação dos seus antecedentes de doença, se questionem e algumas vezes até o omitam para que questões de carácter estritamente pessoal, não sejam escritas numa base de dados, não porque receiem que o médico tenha acesso aos seus “segredos”, mas porque temem que essas mesmas informações possam ser do conhecimento de outras pessoas que não estão dentro do círculo de segurança /confiança do doente.
Certo é, que a investigação médica obriga a fazer o despiste de outras patologias que poderão contribuir para um diagnóstico mais célere, nem sempre essas informações são fornecidas.
A realidade que existia antes da informatização era completamente diferente e embora a meta futura seja o processo e arquivo clinico electrónico, devido às suas inequívocas vantagens, alguns profissionais da saúde são por vezes confrontados com uma informação exígua e nalguns casos tardia, impedindo o exercício da correlação dos dados.
Este facto, tem a ver com a percepção de alguns pacientes que fruto da sua reflexão equacionam a possibilidade da informação que fornecem possa ser tornada pública.
Estes receios não são de todo infundados.
Estas novas tecnologias são sem dúvida um modelo organizativo essencial e vieram possibilitar efectuar um registo de todos os dados pessoais, todavia, o direito fundamental da preservação do sigilo e respeito da vida privada do cidadão, consagrado em vários documentos jurídicos nacionais e internacionais, dos quais se destacam a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Constituição Portuguesa, a Comissão Nacional de Protecção de Dados e o nosso Código Civil, representam os principais suportes de confiança dos pacientes.
Em suma, o respeito do direito fundamental da vida privada, é um compromisso dos médicos que os vincula como uma norma de conduta essencial no desempenho da sua actividade profissional.
Transferir este compromisso para pessoas alheias pode ser uma ameaça."
(*) Doutorada em medicina
Ao consideramos que os Centros de Saúde, constituem um ponto de partida preferencial no Sistema Nacional de Saúde destinados a assegurar a cobertura dos cuidados essenciais a prestar à população, de forma personalizada e continuada, de acordo com as características e necessidades dos utentes, nomeadamente a vigilância da saúde, prevenção, diagnóstico e o tratamento da doença, dirigindo-se globalmente ao indivíduo, família e comunidade.
O Centro de Saúde privilegia a informação, audição e qualidade de atendimento dos pacientes.
Assim, compete ao Centro de Saúde fornecer a informação geral à população, através da distribuição periódica de folhetos informativos aos utentes e prestar os seus cuidados de saúde, cumprindo a carta da qualidade (conjunto de compromissos assumidos publicamente e que constituem uma garantia de prestação continuada de cuidados com um nível de qualidade pré-definido).
Certo é que o desempenho profissional terá de ser garantido pela excelência da execução em todas as atividades para as quais se encontra direcionado, sendo a estrutura organizacional deste modelo, um exemplo que a hierarquia terá de fazer cumprir e respeitar, sem a qual não existirão condições para se prestar um bom serviço de saúde.
Ao fazer a caracterização das famílias cujo instrumento de aplicação na consulta é fundamental, pois permite identificar problemas ou situações comuns a cada tipo de família.
O fato de se conhecer com que família ou família estamos a trabalhar, permite-nos prevenir ou identificar estes problemas mais precocemente.
O Genograma familiar, é um método facilmente aplicável de coletar e sumariar dados familiares, permitindo uma perceção rápida da estrutura familiar, das relações entre os elementos da família, situações patológicas e momentos mais marcantes das três ou mais gerações estudadas, identificando problemas/acontecimentos bio-psico-sociais, indicações dos elementos do mesmo lar, inter relação dos elementos, podendo ainda avaliar o grau de satisfação que o utente sente e verbaliza sobre o funcionamento da sua família, desde que se aplique o Apgar Familiar.
Constituindo a família o fulcro de união entre todos os elementos que a compõem, haverá no entanto períodos que poderão ser particularmente instáveis e suscetíveis de causar “doença”.
Deste modo, faz parte das atividades preferências da atividade global do Centro de Saúde assistir as famílias e prestar cuidados preventivos antecipatórios, dado que um grande número dos sintomas físicos e psíquicos estão relacionados com as fases do ciclo de vida familiar.
Sendo assim o papel do médico de família é fundamental no desenvolvimento de uma política de saúde, que engloba um conjunto de cuidados assistenciais diferenciados e imprescindíveis que se iniciam na conceção (saúde materna), se desenvolvem no acompanhamento da saúde infantil, planeamento familiar, saúde de adultos e no tratamento das várias patologias diagnosticadas.
Importa, contudo referir que prestar cuidados de saúde como médico de família, implica dar assistência em todas as fases da vida da pessoa.
Em suma, não podemos deixar de manter e apoiar uma estrutura organizacional que garante a prevenção e o tratamento do indivíduo no seu todo e em todas as fazes do seu ciclo biológico.
(*) Doutorada em medicina
Por: Antonieta Dias (*)
Nestes dois últimos anos temos assistido a mudanças significativas na área da saúde que irão com certeza destruir completamente um serviço de saúde que nos orgulhava e que era invejado por muitos Países a nível mundial.
O diagnóstico atual, quando avaliamos os procedimentos e analisamos os objetivos de quem legisla e os pareceres dos teoricamente conhecedores de uma área tão complexa como a da medicina, em que opinam sobre atos que colocam em risco a vida dos nossos doentes, gera uma angústia terrível, não só pela ignorância demonstrada sobre o verdadeiro papel e conteúdo funcional da profissão do médico que é constrangedor e gera violência, no utilizador(doente).
Pensar que qualquer pessoa que tenha uma intervenção na saúde pode ser candidato a um eventual prescritor clinico é de fato um pensamento terrivelmente desumano e desrespeita completamente o ato medico e a assistência ao doente.
Sem prejuízo, da mais valia e da preciosa colaboração que cada um dos técnicos das várias áreas da equipe de saúde têm (enfermeiros, técnicos de cardiopneumologia, técnicos de radiologia, técnicos de fisioterapia, ortodontésicos, podologistas, etc, etc…), que vieram enriqueceram de forma digna o SNS e contribuíram para melhoram a prestação dos serviços saúde, é um fato inquestionável e demonstrável.
Porém, não podemos de forma nenhuma desrespeitar e desqualificar o conteúdo profissional de cada um dos técnicos e muito menos tentar transferir competências de uns para os outros, sejam quais forem os interesses e objetivos pretendidos de quem decide.
Estando em curso o estudo das condições necessárias ao desenvolvimento da rede de serviços de saúde, é conveniente estruturar mas não destruir.
Respeitar os princípios, os níveis de cuidados, os atributos, as formas de coordenação e os objetivos da atividade assistencial, respeitando o doente e cuidando-o no seu todo, não é possível que alguém com responsabilidade possa propor que outros profissionais que não sejam os médicos, façam prescrições terapêuticas aos doentes.
Se neste momento, com tanta mudança estrutural, com tanta poupança, com tanto desinvestimento, com tanta privação de recursos humanos, de meios técnicos, de dificuldade de acesso dos doentes que residem mais no interior e distantes dos urbanos, já por si é uma perda da qualidade nos cuidados de saúde, não é possível que ainda se pretenda propor, que outros profissionais que não os médicos sejam prescritores de qualquer medicamento seja ele qual for e em que circunstâncias ou contexto clinico se enquadre.
Não podemos aceitar se tente encontrar soluções que coloquem em risco a vida dos doentes e se destrua o acesso aos cuidados de acordo com a “legis artis”.
Antes de prescrever qualquer medicamento é preciso conhecer o doente, é necessário diagnosticar a doença, saber farmacologia e ser um “expert” do conhecimento na indicação do efeito e das contraindicações dos fármacos que estamos a prescrever aos doentes.
Se alguém imagina que a prescrição terapêutica é um mero mencionar de um fármaco que o vizinho, o amigo, o colega, a publicidade é suficiente para ter legitimidade para o fazer é destruir completamente a ciência e a investigação médica.
Salvar a vida do doente é um ato nobre que não pode ser desrespeitado e muito menos violado.
É preciso sim, mudar muitas diretrizes no âmbito da prestação dos cuidados de saúde, mas isso implica mudanças estruturais, e neste momento a mais importante é entregar a responsabilidade da decisão a quem tem competência para o exercício dessa atividade, e os decisores políticos deverão procurar outros meios para poupar na saúde que sejam compatíveis com o que de mais sagrado existe que é a vida e a dignidade da prestação dos cuidados de saúde a quem precisa e tem direito a ser assistido com sapiência e com todos os recursos existentes, pelos vários intervenientes envolvidos na área da saúde.
Deixemos o ato de prescrever para quem tem competência para o fazer sendo que este ato é da exclusiva competência dos médicos e aproveitemos os recursos técnicos de cada um dos outros profissionais cuja função é imprescindível para cuidar bem e melhorar a qualidade em saúde.
Não tentemos confundir e muito menos transferir competências para quem não as tem.
(*) Doutorada em medicina
Por: Antonieta Dias (*)
“Estima-se que nos Estados Unidos da América cerca de 9% das lesões da coluna vertebral são provocadas pela prática desportiva, designadamente em desportos de grande risco, como o futebol americano, wrestling, mergulho, hóquei no gelo, entre outros.
Ao nível da coluna vertebral o homem possui cinco curvas sagitais: cifose da occipital à C2(da segunda vertebra cervical), lordose da C2 à T2 (da segunda vertebra cervical à segunda vertebra torácica), cifose (curvatura com concavidade anterior)da T2 à T11(2.ª vértebra torácica à decima primeira vertebra torácica), lordose de L1 a L5(curvatura com concavidade posterior).
Sabe-se que as lesões estão relacionadas com a especificidade das vértebras e que o Axis (C2) funciona como Pivot para a rotação do atlas e da cabeça.
Sempre que surge um problema a este nível poderá comprometer o movimento do pescoço e da cabeça.
Anatomicamente a nossa coluna vertebral tem sete vertebras cervicais, doze vértebras torácicas, para além das restantes vertebras lombares e sagradas.
Relativamente às estruturas ligamentares que fazem as ligações entre as vértebras temos. Dois grandes ligamentos (LLA) e o posterior(LLP), o ligamento amarelo, o ligamento supraespinhoso. Estes ligamentos são responsáveis pela estabilidade da coluna vertebral.
O disco intervertebral que existe nas vértebras, é constituído por duas partes. O anel fibroso (corresponde à zona de menos resistência) e o núcleo pulposo (que serve de amortecedor e permite a mobilidade do segmento).
Sempre que existe uma lesão deverão ser avaliados os défices neurológicos: sinais do neurónio motor superior, sinais do neurónio motor inferior, lesão completa ou incompleta, padrões comuns de lesão do cordão medular e choque vertebral, para posterior orientação clinica que poderá passar por tratamento médico ou por tratamento cirúrgico.
Relativamente aos sinais de lesão cerebral do neurónio motor superior (central ou medular alto) o alerta deve ser dirigido para a lesão cerebral: a postura em descerebração e a descorticação).Porém existem sinais discretos mas importantes que devem ser pesquisados sempre que existe uma lesão: o sinal de Hoffman (contração involuntária do polegar); Clonus (dorsiflexão forçada da mão e do pé em que a pessoa faz movimentos involuntários repetidos), sinal de Babinsky (ocorre extensão do hallux quando há lesão) e Hiperreflexia (movimento reflexo exagerado, aumento da área do reflexo).
Para além disso é obrigatório na avaliação clinica fazer o diagnóstico diferencial entre lesão completa e lesão incompleta.
Sempre que existe uma lesão completa surge perda do controlo esfincteriano, enquanto que na lesão incompleta não há lesão esfincteriana.
Sempre que ocorre uma lesão a nível da coluna vertebral devemos previamente prestar os primeiros socorros (imobilizar corretamente) de acordo com as recomendações preconizadas, aplicar a Escala de Glasgow que nos permite ter uma ideia da gravidade do lesionado e controlar a dor.
A avaliação sensitiva nos 28 dermátomos e a avaliação da força muscular são manobras médicas imprescindíveis para a avaliação destes pacientes.
Posteriormente deverão ser transportados (imobilizar em bloco para um plano duro e transportar a pessoa quando estiver devidamente imobilizada) do local do acidente para um centro hospitalar onde deverão ser investigados com: Radiografia, tomografia axial computorizada, ressonância magnética nuclear e se necessário cintigrafia óssea e discografia.
Havendo suspeita de lesão o atleta deverá ser tratado de acordo com a patologia diagnosticada, que determinará se o tratamento mais adequado é o tratamento conservador ou o tratamento cirúrgico).
O regresso ao desporto só deverá ser autorizado desde que a estabilidade sequelar seja atingida.”
(*) Doutorada em medicina
'Noticias do Ribatejo' com ip/santarem/europedirect
Por: Antonieta Dias (*)
Os benefícios do exercício físico são conhecidos, não só pela sua importância na manutenção física, como no desenvolvimento social e intelectual.
A prática desportiva reflete-se numa melhoria das capacidades funcionais (coordenação, força, função cardiorrespiratória, capacidades anaeróbias e aeróbias), cujo beneficio individual é inquestionável.
Contudo, não podemos porém esquecer que as capacidades de resposta ao exercício são ilimitadas, e devem ser adaptadas à faixa etária de cada atleta.
Se tivermos como grupo desportivo o das crianças, temos que compreender que se trata de jovens ainda em desenvolvimento, com limitações funcionais de resposta à exigência da respetiva modalidade.
A diminuição das doenças cardiovasculares, da obesidade, o aumento da massa óssea e da capacidade cardiorespiratoria, representam um dos maiores benefícios, para se estimular a prática desportiva.
Todavia, esta atividade não está livre de ameaças ou riscos, sendo que as lesões são um dos malefícios, representando algumas vezes limitações funcionais temporárias ou definitivas, cuja gravidade sequelar pode ser extrema e aniquilar mesmo a carreira do atleta.
Sempre que um atleta se lesiona, surge um impacto negativo na sua atividade desportiva.
Uma lesão frequente no desporto, é a lesão do ligamento cruzado anterior (LCA), cuja anatomia e biomecânica resulta em “pivot”, na parte central do joelho, funcionando como elemento de estabilização passiva.
O ligamento cruzado anterior (LCA), insere-se na face interna do côndilo da tíbia, tendo uma grande resistência mecânica.
Este ligamento apresenta uma curvatura dos côndilos femorais e é responsável pelo controlo da translação anterior e rotação interna da tíbia sobre o fémur.
Sempre que um atleta se lesiona neste ligamento, implica uma intervenção médica imediata e atempada, com o objetivo de tratar o mais precocemente possível a lesão, a fim de evitar sequelas irrecuperáveis.
Apesar de ser uma lesão muito comum e de fácil resolução médica/cirúrgica, a recuperação após a sua reconstrução obriga à necessidade do controlo da translação e da rotação.
Exige ainda uma intervenção dirigida e assertiva de grande investimento no âmbito da fisioterapia destinada a corrigir a marcada atrofia muscular e a fazer a recuperação funcional do órgão lesionado.
A decisão ou não pela intervenção cirúrgica, vai ser depender da avaliação detalhada da competência biomecânica do ligamento, que é feita através de testes manuais, que permitam determinar com precisão a existência ou não da instabilidade rotatória.
Sendo que algumas vezes, se opta pela reconstrução parcial do ligamento, para se poder usufruir da fisiologia do feixe.
Na recuperação da estrutura, da função muscular e da amplitude do movimento, devemos ter particular atenção ao arco de movimento da extensão, evitar sintomas (derrame ou dor), reeducar a propriocetividade, controlar fatores psicossociais designadamente a quinesiofobia.
São vários os testes que se utilizam para o diagnóstico da lesão do ligamento cruzado anterior (KT 1000, hig-speed stereo radiography, porto knee testing device).
Importa, porém referir que o exame imagiológico de eleição para o diagnóstico é a ressonância magnética nuclear do joelho.
Sempre que se decide por uma intervenção cirúrgica, esta terá de ser complementada com a reabilitação, cuja introdução de carga precoce e mobilização passiva contínua, evitará as aderências, derrames e degenerescências.
Salienta-se ainda que após a cirurgia o ligamento vai recuperando a sua revascularização e reintegração biológica de forma progressiva.
O fortalecimento muscular tem benefícios comprovados, sabendo-se que o aumento da ativação das unidades neuronais, melhora a coordenação motora e a transmissão neuronal.
A implementação de programas e planos de intervenção destinados a prevenir o aparecimento de lesões desportivas são objetivos de primeira linha para quem está inserido no fenómeno desportivo.
A comunidade desportiva é demasiado complexa sendo essencial que os profissionais que exercem funções assistenciais a grupos tão heterogéneos não só nas modalidades desportivas mas também nas particularidades pessoais de cada atleta, necessitam de uma preparação polivalente e abrangente, sem as quais a sua eficácia e competência não serão atingidas.
Em suma, desporto e lesão são associações frequentes cuja recuperação física e psicológica exigem uma dedicação e tratamento assertivo, para minimizar as sequelas e reduzir o tempo de inatividade desportiva.”
(*) Doutorada em medicina
Portugueses a favor de participação mais directa nas europeias
A poucos meses das Eleições Europeias, 51% dos portugueses defendem que Portugal beneficiou do facto de ser membro da União Europeia. Segundo os dados do Eurobarómetro, a maioria dos portugueses é favorável à eleição directa do Presidente da Comissão Europeia pelos cidadãos.
Os mais recentes dados aferidos pelas sondagens do Parlamento Europeu nos Estados-membros indicam que 70% dos cidadãos portugueses são favoráveis à eleição directa do Presidente da Comissão Europeia num futuro próximo, uma vez que esta alteração dotaria as decisões da UE de maior legitimidade (37%) e reforçaria a democracia (32%), assim como o sentimento de ser cidadão europeu (30%).
Confrontados com a possibilidae de, nas próximas eleições, as alianças políticas apresentarem o seu candidato para o cargo com base num programa conjunto, isto é, de os cidadãos participarem indirectamente na eleição do presidente da Comissão, 44% dos portugueses afirmam que isto os encorajaria mais a votar, uma percentagem menos representativa do que a registada na generalidade da União (55%), face aos 40% que respondem negativamente (36% na UE28).
Relativamente às vantagens de ser membro da UE, 51% dos inquiridos pensam que, "tendo tudo em consideração", Portugal beneficiou de ser membro da UE; porém 42% discordam (54% e 37%, respectivamente, na UE). Ainda a percentagem de portugueses que defende que o facto de Portugal fazer parte da UE é "uma coisa boa" aumentou em 2 pontos percentuais desde a sondagem do ano passado, para 36% e a percentagem dos que o consideram "uma coisa má" diminuiu para 24%.
A identidade europeia, dizem os portugueses inquiridos, é formada, principalmente, pela moeda única (39%), pelos valores da democracia e da liberdade (31%) e pela história (23%), a mesma ordem apresentada pela generalidade dos cidadãos europeus. Quanto aos aspectos que contribuiriam para fortalecer o sentimento de ser europeu, os portugueses nomeiam essencialmente medidas sociais e políticas, como um sistema de assistência social harmonizado (37%), poder viver em qualquer lugar da UE depois de reformado e receber lá a sua pensão (33%) e ter o direito de votar em todas as eleições do Estado-membro onde vive (24%).
Para o futuro, os inquiridos têm principalmente preocupações de carácter socioeconómico, considerando que os maiores desafios para a UE serão o desemprego (68%), as desigualdades sociais (47%) e o envelhecimento da população (32%). Daqui a dez anos, 37% dos portugueses preveem que os cidadãos estarão mais envolvidos nos assuntos europeus, sendo que apenas 20% consideram que o envolvimento vai diminuir (42% e 20% na UE28).
Os dados sobre Portugal baseiam-se em 1 016 entrevistas directas pessoais realizadas entre 10 e 23 de Julho de 2013, num universo de 27 624 entrevistas realizadas nos 29 Estados-membros.
'Noticias do Ribatejo' com ip/santarem/europedirect
Por: Antonieta Dias (*)
O desporto representa por si mesmo e pelas suas múltiplas facetas, uma situação favorecedora da saúde, sendo atualmente inquestionáveis os efeitos positivos que a prática desportiva proporciona. Por este motivo, o interesse cada vez maior pelo desporto tem feito com que o número de praticantes - quer amadores quer profissionais - tenha vindo a aumentar consideravelmente, tornando a sua prática no contexto actual uma rotina quase obrigatória e levando a que a idade de início da prática desportiva surja cada vez mais precocemente.
Sendo verdade que quanto maior for o número de praticantes maior será a probabilidade de sofrerem lesões, estas são um obstáculo importante à prática desportiva, podendo impedir temporariamente ou definitivamente a actividade do atleta, conduzindo necessariamente a uma diminuição ou ausência de rendimento, conforme a sua gravidade, situação que se torna ainda mais crítica se surgir num jovem em fase de crescimento.
É sabido que os diferentes tipos de actividade desportiva impõem exigências variáveis aos desportistas que a praticam. As tarefas que diariamente são pedidas, sobretudo aos atletas de elite, para atingirem bons resultados, passam necessariamente por um aperfeiçoamento das técnicas, por um número maior de horas de treino, por um aquecimento adequado, por programas de treino e de competição intensivos, por uma ingestão suficiente de líquidos, por uma alimentação completa e variada e por uma sistemática boa higiene orgânica (repouso, sono, abstenção de álcool). No entanto, e apesar de uma constante melhoria das técnicas de treino e da melhoria tecnológica envolvida, ninguém fica imune ao risco de lesões, que constituem um dos principais obstáculos ao rendimento desportivo e que podem representar um impedimento temporário ou definitivo na prática desportiva, com todas as implicações que daí advém.
Por melhores que sejam as qualidades pessoais do atleta e mesmo que a sua preparação técnica seja excelente, o sucesso desportivo não pode ser atingido se durante a sua prática desportiva este ficar impedido de manter um programa de treino de forma permanente e eficaz por um período de tempo prolongado.
O nosso papel tem sido o de actuar a nível da prevenção, divulgando medidas eficazes, a fim de impedir o aparecimento de lesões. No entanto, e apesar da introdução de tais medidas, é inevitável que elas surjam, pelo que nessa eventualidade ter-se-á de actuar de imediato na sua resolução, de forma a minimizar as consequências e a permitir o retorno à actividade desportiva o mais rapidamente possível.
As lesões de uma maneira geral podem surgir como consequência da actividade desportiva em geral, estarem relacionadas com o gesto desportivo específico ou mesmo serem provocadas pelo próprio desporto (Ex. fracturas de sobrecarga ao nível dos metatarsianos em corredores de fundo).
Muitas têm sido as investigações efectuadas sobre as lesões desportivas, tendo a maioria dos autores feito a descrição de algumas tipologias mais frequentemente encontradas. Algumas caracterizam determinadas modalidades, permitindo-nos fazer comparações com as lesões sofridas pelo grupo de atletas estudados. Tendo como fonte Cruz e Neto (1996), mencionaremos alguns dos estudos seleccionados e citados por estes autores:
“Pontana e colaboradores (1979), mostraram que nas épocas de 1976/77 e 1977/78, nas 16 equipas italianas da 1.ª divisão de futebol, tinham ocorrido 1.228 lesões. Os jogadores atacantes foram os mais atingidos tendo 83.8% das lesões ocorrido nos membros inferiores e em particular na coxa.
De salientar o estudo epidemiológico de Volgi no campeonato do Mundo de Futebol (1990), em que nos 102 jogadores observados, se constatou que foi na primeira metade da 2.ª parte que surgiram mais lesões.
Mais tarde, Angelini e colaboradores (1992), num estudo que fizeram em 1.018 atletas de futebol que participaram nos jogos, de Agosto de 1980 a Junho de 1991, foram registadas 207 lesões. Nesta amostra foram consideradas como lesões mais significativas as que impediam o atleta de realizar pelo menos um jogo ou uma sessão de treinos. De salientar que a gravidade das lesões aumentou com a idade e com a intensidade da competição.
A maioria das lesões (67%) incidiram nos membros inferiores. As lesões musculares da coxa, por estiramento ao pontapear a bola (86% dos casos) e nos gémeos ao fazer sprint(91%>) foram os mais frequentes, tendo sido as do joelho (25%) e do tornozelo (18%).
Uma outra investigação, efetuada em Espanha por Ferrier, Rodriguez, Carriou, Bleda e Santonya (1994), realizada em 26 jogadores de futebol da 1.ª divisão, constataram a existência de 169 lesões. Neste estudo as lesões tendinosas foram as mais frequentes (10%).
Num outro estudo efetuado por Bégue, Blanc e Huguet(1976, citado por Ferreira, 1995), ao estudar uma equipa de profissionais de futebol americano, durante 8 épocas sucessivas, constatou que a articulação do joelho era a zona corporal mais atingida e que 20% das lesões se localizavam nos membros superiores, 18% no tornozelo e 12% no crânio e face 16% destas fraturas eram no nariz)
Nas investigações efetuadas em Portugal, salientamos um primeiro estudo de Massada(1985), efetuado a 36 voleibolistas do sexo masculino.
Destes só 5 é que não sofreram lesões, os outros (86.1%) referiram 112 lesões, sendo 42.9% nos membros superiores, 48.2% nos membros inferiores e 8.9%, na coluna vertebral. As zonas corporais mais atingidas foram os dedos (30.4%), as entorses ao nível da articulação tíbio - társica (19.6%), o joelho (18.8%) e o ombro (10.7%).
Um outro estudo, realizado por (Massada, Pinto, Real, Gancho e Rocha, 1986), abrangeu 40 praticantes de hóquei em campo da 1.ª divisão. As contusões ficaram em 1.º lugar (50.8%), distribuídas pelas pernas e cabeça, 21% foi a percentagem obtida para as lesões musculares e articulares.
Mais tarde Massada, Teixeira, Conde e Lemos (1987), realizaram outro estudo em basquetebolistas de média e alta competição, concluíram que as lesões articulares eram as mais frequentes (43,1%), atingindo as regiões distais dos membros superiores e inferiores (50%).
Numa investigação feita por Ribeiro (1992) a um grupo de 25 jogadores de futebol, foram encontradas 86 lesões, que atingiram os membros inferiores (excepto três que se produziram nos membros superiores). Estas lesões produziram 998 dias de tratamento e recuperação, num total de 455 dias de repouso absoluto, 212 de trabalho em ginásio, 185 de endurece e 120 dias de treino condicionado. A frequência de lesões foram as musculares (39), seguidas das ligamentares (21) e pelas tendinopatias.
Num estudo efetuado por Carvalho (1994) em 402 atletas de futebol, sendo 178 (44%) profissionais e 224 (56%) amadores. Foram detetadas 585 lesões, 156 musculares (26%), entorses 138 (23%), lesões tendinosas (11%).
Massada, Freitas e Mourinho (1985), estudaram 30 dos melhores remadores portugueses, tendo encontrado 75% das lesões ao nível da coluna vertebral, sendo as lombalgias responsáveis por 58.4%.
Um outro estudo feito por Massada, Damásio, Mota e Lemos (1987), que incluiu 35 dos melhores atletas de salto de atletismo, pertencendo 19 ao sexo masculino e 16 ao sexo feminino. As lesões traumáticas mais frequentes estavam localizadas ao nível das articulações (41.6%).
O quadro 1, mostra uma investigação feita por Cruz (1992), nos atletas de judo, tendo feito a comparação entre os atletas franceses e portugueses revela alguns dados importantes.
Estudo comparativo no Judo (Adaptado por Cruz, 1992).
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FrançaPortugal
Tempo de observação 4 anos 1 ano
N.º de Competições 1547
N.º de Atletas 17.596716
N.º de atletas observados 4.29 (24%) 122 (17%)
Desistência por ordem médica 337 (1.9%) 20 (2%)
Hospitalizações 106 (0.6%)5(0.6%)
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Neste estudo a articulação mais atingida na equipa francesa foi o joelho, sendo que o ombro aparece em 2.º lugar (16.7%) e depois o cotovelo (15.6%). Já nos atletas portugueses, os locais mais atingidos foram a cabeça (22%), as mãos (20.5%) e o joelho (16.3%).
As citações feitas por Cruz e Neto em 1996, demonstram claramente as implicações que uma lesão provoca na carreira de um atleta de alta competição e as repercussões negativas que daí resultam, obrigando-nos como responsáveis diretos na investigação desportiva a criar medidas de intervenção urgentes de forma a minimizar drasticamente estas situações.
Não temos dúvida de que a elaboração destas intervenções, passará necessariamente pelo conhecimento geral e aplicação prática de todas as regras de segurança, pelo cumprimento adequado das técnicas e por uma orientação específica e individualizada dos métodos mais adequados para a execução das tarefas. Só assim se poderá obter êxito na prevenção das lesões.
Por outro lado, os resultados obtidos por estes autores parecem sugerir dois conjuntos de dados importantes:
a) a importância de alguns fatores e aspetos psicológicos associados às lesões desportivas, descritas não só na literatura nacional (ver Cruz e Dias, M.A.* 1996; Cruz e Neto, 1996); e na literatura internacional (ver Heil, 1993; Buceta, 1996);
b) a importância da inter-correlação e interdependência entre variáveis e processos psicológicos de natureza cognitiva, motivacional e afetiva, nomeadamente a perceção de ameaça e os recursos e competências psicológicas de confronto psicológico em contextos desportivos e competitivos (Cruz, 1994, 1996; Hardy et al., 1996).
O fato de “não atingirem objetivos importantes na sua carreira desportiva”, “não terem o rendimento pretendido e /ou desejado”, “poderem falhar ou cometer erros em momentos decisivos”, “ não corresponderem ao que os outros esperam dele” e “poderem sofrer lesões graves”, são situações vivenciais potencialmente stressantes, que funcionam de forma negativa e são favorecedoras do aparecimento de lesões.
Estes dados comprovam também resultados anteriores de estudos nacionais e internacionais efetuados com atletas de elite de outras modalidades, sugerindo adicionalmente a importância das recentes abordagens cognitivas e motivacionais ao estudo do processo do stress, às reacções emocionais de ansiedade aos mecanismos gerais de adaptação humana (ver Cruz, 1994, 1996; Lazarus, 1991; Hardy et al., 1996).
Os conhecimentos da vida, positivos e negativos, experienciados pelos atletas lesionados, bem como os resultados obtidos, sugerem de uma forma clara, mas também previsível, que a lesão sofrida é o acontecimento (sempre avaliado de uma forma negativa) que em termos individuais, foi mais frequentemente citado pelos atletas.
Estes dados parecem evidenciar o modo como cada indivíduo interpreta os acontecimentos da vida (Brewer, 1994, Buceta, 1996, Cruz, 1994, 1996, Lazarus, 1991; Smith et al., 1990.
“Aos diferentes agentes (fontes) de apoio e ajuda, de natureza social e emocional, durante o processo de recuperação das lesões, os atletas referem a importância, por ordem decrescente, da companheira (namorada, esposa), dos familiares mais próximos, da equipa médica, dos amigos e dos colegas de equipa.” “Os atletas lesionados com maiores níveis de apoio social e emocional, percecionam níveis significativamente mais elevados de rapidez na recuperação das respetivas lesões” (Fonte: Cruz e Neto 1996).
Esta investigação permite aos autores concluir que os processos mentais e psicológicos exercem uma importância fundamental na recuperação de lesões desportivas, mas evidenciam ainda o papel determinante que o apoio social, psicológico e emocional tem nos atletas lesionados, fatos já bem salientados e comprovados na literatura da especialidade (Brewer, 1994, Cruz e Dias, M.A., 1996; Heil, 1993; Buceta, 1996, Dias, M.A. 1994).
Conclusão
Face à ubiquidade e à inevitabilidade do aparecimento de lesões no desporto, há uma clara necessidade de implementar programas de intervenção psicológica, que possibilitem uma abordagem multidisciplinar na prevenção e recuperação das mesmas, sendo estes um importante instrumento adicional de melhoria de rendimento desportivo, juntamente com as medidas padrão estabelecidas para o efeito.
(*)Doutorada em medicina
Por: Antonieta Dias (*)
“Se o Sistema Nacional de Saúde funcionou como um estimulante na prevenção da doença em Portugal, neste momento, já não podemos mais acreditar que a redução e sensação de fadiga mental e física que permitem aumentar o estado de alerta, necessário para alimentar a nossa condução motora e reduzir o aparecimento das doenças, seja um objectivo a atingir a curto, médio ou mesmo a longo prazo.
Talvez seja necessária uma dose de um protótipo dos estimulantes do Sistema Nervoso Central, ou seja, o mais certo, é necessitarmos de uma dose de anfetaminas que têm indicações específicas (algumas formas de síndrome de hiperactividade nas crianças e na narcolepsia no adulto), para conseguirmos despertar do marasmo em que nos encontramos e sobretudo, da forma como reagimos a todas estas mudanças que se vão instalando, sub-repticiamente, cujas consequências serão fatais a curto prazo.
Se este efeito de euforia, agitação, precipitação, na tentativa de resolução imediata, para reduzir o défice, irá ter as consequências neurotóxicas, semelhantes à utilização da Ecstasy, talvez seja de facto este o melhor método e o mais eficaz, tendo em conta que tal como esta droga, cuja utilização crónica conduz à tolerância, à destruição neuronal e ao envelhecimento precoce dos neurónios, nos ajude a vencer a grave problemática que existe no seio dos serviços de saúde.
Os mais renitentes a esta metodologia de intervenção, devem ser também os mais resistentes à introdução destas drogas, sintéticas e como tal estão já ultrapassados, porque vivem num contexto social que não se adapta à sociedade que estamos a viver.
Todavia, se o objectivo dos profissionais competentes da saúde, não é encontrar uma substância dopante que nos faça viver num mundo de ilusão, mas sim pretendem contribuir para que a saúde mental e física seja uma prioridade na intervenção das medidas antecipatórias, destinadas a mudar os comportamentos para estilos de vida saudável.
Como seres pensantes e responsáveis que somos, não podemos ficar com as reservas dos nossos neuroreceptores com níveis inferiores aos necessários para recuperar a nossa vitalidade e a nossa preocupação, pelo que nos irá acontecer a muito curto prazo, com todas estas reestruturações que estão a acontecer no Sistema Nacional de Saúde.
Não pretendemos com é óbvio tornar disponível um sistema cujo acesso seja impeditivo de chegar ao local mais adequado para fazer o diagnóstico e o tratamento atempado da prevenção e do tratamento da doença, de forma a minimizar os efeitos deletérios da utilização ou melhor de um sistema de saúde que não resolve os problemas de quem necessita dele.
Podemos ter a certeza, que não é com medidas destinadas a impedir ou dificultar a acessibilidade aos sistemas de saúde, quer seja através do aumento das taxas moderadoras, quer seja pela privação de prestação de cuidados de saúde vitais, que estamos a prestar um bom serviço e sobretudo que estamos a economizar na saúde.
A vida humana é um bem precioso, e preservar a saúde e tratar a doença, para a manutenção do bem estar dos portugueses é o melhor investimento que podemos fazer a curto prazo para economizar no futuro.
Nenhuma pessoa sensata, vai procurar os efeitos dopaminérgicos numa droga que estimula o sistema nervoso central, mas que pode originar convulsões.”
(*) Doutorada em medicina
Por: Antonieta Dias (*)
A medicina familiar é uma especialidade relativamente recente e poderá ser definida como um conjunto de conhecimentos sobre os problemas que os médicos de família têm que resolver de acordo com a sua capacidade técnico-científica. A competência do médico de família identifica-se pela sua capacidade de diagnosticar e de tratar todas as situações que lhe surgem.
Foi no ano de 1971, com os Decretos de Lei n.º 413 e 414, que se implementou a grande mudança dos serviços de saúde. Passou-se a partir daí a considerar como prioritárias as atividades de promoção da saúde e prevenção da doença, tendo sido criados programas de vigilância específicos.
Mais tarde com o Decreto Lei n.º 254/82 de 29 de Junho, foram criadas as Administrações Regionais de Saúde, das quais dependem os Centros de Saúde.
O despacho normativo n.º 97/83 de 28 de Fevereiro regulamentou os Centros de Saúde, apesar de ter sido só em 1990 que foram estabelecidas as diretrizes, através do Decreto de Lei n.º 48/90. As principais orientações eram as seguintes:
-Promoção da saúde e prevenção da doença;
-Igualdade no acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica;
-Tomar medidas específicas para grupos sujeitos a maiores riscos, tais como: crianças, adolescentes, grávidas, idosos, deficientes, toxicodependentes e trabalhadores cujas profissões o justifiquem;
-Promoção dos indivíduos e da comunidade organizadora na definição da política de saúde, do planeamento e no controlo do funcionamento dos serviços;
-Incentivo à educação das populações para a saúde, estimulando nos indivíduos e nos grupos sociais à modificação dos comportamentos nocivos à saúde pública ou individual.
Nos últimos anos as políticas de saúde desenvolveram um papel fundamental, nas ações dos centros de saúde, sobretudo com os acontecimentos mundiais, em que se destacam os principais:
Conferência de Alma Ata(1978),
Estratégias e Saúde para todos (OMS, 1985)
Conferência de Otawa (1986)
Todas estas diretrizes criaram a necessidade de gerir a consulta de forma a obter os melhores resultados, sendo que o objetivo principal na organização da consulta é melhorar a qualidade dos cuidados prestados tanto nas áreas preventiva como curativa, providenciar uma boa acessibilidade e proporcionar a continuidade e globalidade dos cuidados assistenciais aos pacientes.
É muito importante ter particular atenção na consulta dos grupos vulneráveis/risco, particularmente em Saúde Infantil, Saúde Materna e nos Idosos, sem contudo esquecer a necessidade de fazer um controlo adequado aos doentes hipertensos, aos doentes diabéticos, orientar as mulheres em idade fértil e com vida sexual ativa na consulta de planeamento familiar.
O agendamento da consulta deverá ser efetuado pelo pessoal administrativo na secretaria, sendo que os doentes o poderão fazer pessoalmente ou pelo telefone, podendo a sua marcação ser de forma programada ou no próprio dia de acordo com a preferência e/ou necessidade do utente tendo como exemplo a periodicidade de agendamento da consulta de diabéticos que deverá ser trimestral.
Nas primeiras consultas devem-se registar os motivos da consulta, fazendo a anamnese e história pregressa o mais completa possível, bem como um exame objetivo pormenorizado.
Ao longo da continuidade das consultas deve ser complementado o quadro individual da saúde dos utentes, fazendo a sua caraterização, o enquadramento familiar e socioeconómico.
O registo da informação poderá ser feito segundo o método de Laurence Weed, isto é usando o registo Médico Orientado por problemas (RMOP), constituído essencialmente por 4 componentes fundamentais: base de dados, lista de problemas, notas clínicas progressivas e folhas de resumo.
As notas clinicas de seguimento deverão ser descritas por ordem cronológica na folha de consulta, segundo a anotação SOAP, que consiste em:
S-Subjetivo: motivo da consulta, outras queixas do doente e anamnese;
O-Objetivo: resultado de exames complementares de diagnóstico, exame objetivo, parecer de outros colegas;
A-Avaliação: problemas e diagnósticos identificados, bem como atual fase de resolução.
P-Plano: medicação a efetuar ou renovação, pedido de exames complementares de diagnóstico, recomendações, períodos de incapacidade temporária absoluta (baixas) e data da nova consulta.
Todo o trabalho desempenhado pelo médico deve ser efetuado com consciência, competência e ética exigíveis a um profissional médico a fim de obter uma boa colaboração e responsabilização do utente na resolução dos seus problemas e manter uma boa resolução médico utente.
Sem esquecer que se devem corrigir hábitos, comportamentos e atitudes menos corretas, sempre que o utente vai à consulta, fazendo educação para a saúde, de forma a garantir uma melhor qualidade de vida.
Detetar precocemente e encaminhar situações que possam afetar negativamente a vida dos utentes (crianças, adolescentes e adultos), como: malformações congénitas (luxação congénita da anca, criptoquidia, cardiopatias congénitas), perturbações da visão, linguagem, audição perturbações do desenvolvimento estaturoponderal e psicomotor, alterações neurológicas, perturbações psicoafectivas;
Prevenir, identificar e abordar as doenças comuns nas várias idades, reforçando o papel dos pais e a sua participação na deteção de sinais ou de sintomas de alerta que justifiquem o recurso aos diversos serviços de saúde;
Identificar, referenciar e proporcionar apoio continuado às crianças com doença crónica/deficiência e às suas famílias, bem como promover a eficaz articulação com os vários intervenientes nos cuidados a estas crianças;
Assegurar a realização de aconselhamento genético, sempre que tal esteja indicado;
Identificar, apoiar e orientar as crianças e as famílias vítimas de violência ou de negligência, de qualquer tipo;
Promover a auto-estima dos adolescentes e a sua progressiva responsabilização pelas escolhas comportamentais adotadas;
Apoiar e estimular a função parenteral e promover o bem estar familiar;
Promover a prática regular de exercício físico, vida ao ar livre e em ambientes despoluídos;
Prevenção de consumos nocivos e adoção de medidas de segurança, reduzindo assim o risco de acidentes;
Incentivar para o cumprimento do Plano Nacional de Vacinação, prevenir o aparecimento de doenças ou acidentes, de suplementação mineral e vitamínica, sempre que necessário, fazer a prevenção da cárie dentária, promovendo a higiene oral, e restrição dos alimentos cariogenéticos;
Fazer o diagnóstico precoce das situações que possam perturbar o desenvolvimento normal da criança, no seu aspeto físico, motor, mental, emocional e social.
Detetar precocemente todas as doenças incluindo as metabólicas, malformações congénitas, perturbações do crescimento, do comportamento, da visão, audição e linguagem e fazer a instituição da terapêutica atempadamente.
Em suma, e com base no Decreto Lei n.º 60/2003 de 01 de Abril, com a criação da rede de cuidados de saúde primários determina “A prestação de cuidados de saúde primários, considerada em todos os sistemas e políticas de saúde como a principal via de acesso aos cuidados de saúde em geral, necessita de ser repensada, no nosso país, por forma a atingir o propósito fundamental de prestar aos cidadãos mais e melhores cuidados de saúde, sendo necessário promover as indispensáveis alterações legislativas, consideradas inadiáveis no plano estrutural e funcional, na perspetiva de evolução do atual sistema de organização dos cuidados de saúde primários para um novo modelo, criando uma rede de prestação de cuidados de saúde primários mais próximos dos cidadãos, das suas famílias e comunidades, simultaneamente mais eficiente, socialmente mais justo e solidário.
(*) Doutorada em medicina